27 de novembro de 2007

O tempo de si...

Remexi o baú para destacar o óbvio.
[…] Os tipos de agora não têm tempo. Em lugar de irem estudar para o café, para a biblioteca, para casa, na cama, na mesa, ou no sofá - ao seu ritmo, a melhor triagem é esta, a do ritmo, sabiam? - , ficam na escola a ter "estudo acompanhado" e "actividades".
Nunca estão sós.
Nunca podem escolher estarem sós, sem terem falta. Não conseguem, assim, conhecer o seu ritmo, o seu pulsar, o seu sentir. Estão sempre em manada. Cheios de vontade de sairem dali, mas cada vez mais presos a programas de sucesso que lhes fizeram, pelas costas, para depois lhos espetarem, como facas, no peito ainda virgem.

Eu não gosto disso. Falta-lhes tempo para amadurecerem sozinhos - no tempo escasso que também lhes falta - o que vem nos livros e escutam nas aulas. Que, depois de lerem - ouvirem -, deviam pensar sós; ou com quem escolhessem.

E, bem vistas as coisas, falta-lhes tempo para quase tudo: arranjaram agora uma espécie de gestores do tempo, que não são bem relógios de pulso, um por cada pessoa, mas que são ainda piores. Orientam tudo (e sempre mal), porque complicam: não passam de ponteiros luminosos em relógios atrasados, de feira franca, mas cuidam ser de marca.

besugo
Caro besugo

Percebo pouco de quase nada. Desse mísero conhecimento, uma parte dele chega-me por via de gente que, tal como eu, evita as mezinhas. Das poucas coisas que julgo perceber, a educação é aquela que me ocupa mais tempo, profissional e não só. Sou daqueles que direccionam o tempo livre para ler e estudar coisas que se supõem necessárias para o trabalho. Enfim, um exemplo que não se aconselha a ninguém. Isto só para dizer que hoje encontrei no seu blogue algo que só pode ser escrito por gente despegada de qualquer sobranceria. Por isso, suspeito que não podia vir de um ministro e respectivos acólitos, de encarregados de educação acéfalos ou de professores obstinados [como eu, acrescento agora]. O que encontrei foi uma prescrição simples e que decorre do bom-senso: o sistema educativo estupidificou-se ao coarctar o tempo livre dos sujeitos que o frequentam.
O óbvio parece escapar aos olhares dos pseudo entendidos. Parabéns.


Comentários:

Não só o ritmo de estudo, não só a descoberta individual, não só o amadurecerem sozinhos, como diz o besugo. Tudo isso é extremamente importante, no entanto há um factor que se sobrepõe a todos estes: a gestão do tempo e a escolha do seu preenchimento. Se não o aprenderem a gerir agora, se não aprenderem a encontrar as suas actividades próprias nunca o farão mais tarde. Se se mantiverem até à saída do secundário metidos numa grelha de tempo e actividades imposta, nunca irão criar o seu próprio background cultural e recreativo, nunca irão criar o seu tempo e a sua actividade própria de entretenimento, nunca irão ser capazes de se encontrar num espaço/tempo não organizado. Quando saírem para o Ensino Superior ou para a vida profissional, onde não haverá a grelha, não irão ser capazes de se enquadrar fora das horas marcadas nos seus horários quer para as aulas, quer para a actividade profissional. Não o irão fazer nem para as horas de estudo e pesquisa de que necessitam, nem para as horas de entretenimento, nem para a escolha das actividades. Iremos ter uma geração de gente sem norte fora das horas que outros marquem no seu horário … até porque a experiência que têm/tiveram será a de um tédio enorme por tudo o que lhes foi imposto como "extra trabalho".
f...

Que mais dizer a este propósito?
Penso que não é difícil perceber que não somos todos iguais. Que na sociedade "todo o trabalho é útil e digno desde que executado com carinho, talento e consciência". Atributos que são inerentes à própria condição humana. Que têm que ser aperfeiçoados, moldados na medida em que forem moldáveis, mas que se manifestam por vontade própria. Que devem ser disciplinados até onde for possível sem que os que têm essa incumbência sejam transformados em ditadores brutos e insensíveis.
E se, conscientemente, não me apetecer seguir uma determinada orientação no rumo a dar à minha vida?
A Escola não pode ser encarada como uma prisão da qual apetece fugir. Esta é que é a questão fulcral.
Para quê massacrar os alunos com horas suplementares supervisionadas pelos professores, quando o que se tem que fazer é persuadi-los que cada um de nós tem de lutar pelos seus próprios anseios de vida. Arranje-se tempo é para dialogar, falando, escrevendo, incutido que seja no aluno, o desejo de saber dizer e fazer bem as coisas da vida.
António

Cansada, correndo (a Teresa bem sabe) cheguei aqui e comovi-me. Bolas! Já nem tempo tenho tido para isso. Deixei sair... Foi uma nostalgia, uma espécie de visão triste súbita do erro colossal... à mistura com a música da Dulce e do Morricone, o Amor a Portugal logo seguida do Cavaleiro Andante de Rui Veloso... Demais neste final de ano.
Precisávamos de deitar tudo ao chão... começar de novo. De novo.
Teresa

Sábias palavras... Sempre me espantou como uma coisa tão evidente escapa aos "especialistas" do Ministério. 100% de acordo Miguel (e besugo)
Joana Félix

Pois eu fico sem palavras para comentar, depois de ler o que tão bem escrito foi. Isto de ser sexta-feira deixa-me assim: um pouco estúpida, mais um pouco "lerda" das ideias e sem qualquer noção de tempo.
Posso garantir-vos, porém, que deixei de usar relógio há bastante tempo e que nem dele preciso para as minhas aulas. Descobri que tenho o tempo em mim! E é tão bom!...
Teresa Lopes

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