31 de dezembro de 2005

A culpa revisitada.


Acabei o ano de 2003 preocupado com o problema da culpa. Considerava que o sentimento de culpa em doses elevadas podia instigar os professores ao cinismo, ao esgotamento e em última instância ao abandono do ensino. Pensava que seria mais fácil lidar com as armadilhas da culpa se, na escola situada, os professores adoptassem um conjunto de soluções terapêuticas, designadamente, baixando as exigências da prestação de contas e da intensificação do ensino; reduzindo a dependência em relação ao cuidado pessoal e ao tratamento dos outros; criando, ao nível do estabelecimento de ensino, comunidades de colegas que trabalham em colaboração, estabelecendo os seus próprios limites de exigência profissional e permanecendo ao mesmo tempo empenhadas num aperfeiçoamento contínuo. Ao enfatizar as causas exógenas do sentimento de culpa terei depreciado os problemas derivados de uma cultura docente individualista que balcaniza as relações profissionais. O défice de discussão intra-muros e a ausência de colaboração acabaram por encostar decididamente os docentes a uma parede de lamentações e não se vislumbra qualquer tipo de reacção.
O sentimento de culpa que tomou de assalto a classe docente tem vindo a agravar-se nos últimos anos. E o que se dispensa neste momento é a vitimação e o fado do coitadinho. Há que aproveitar o virar do ano para virar uma página da nossa postura profissional. São os meus votos para o próximo 2006.

29 de dezembro de 2005

Atados

A comunicação social dá conta de uma medida legislativa que forçará as escolas do ensino básico e secundário "a elaborar um plano anual de actividades para as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para promover o uso dos computadores e da Internet junto de professores e alunos".

É verdade que nos últimos anos tem havido um enorme esforço financeiro para apetrechar as escolas de meios informáticos. Ainda não temos motivos para embandeirar em arco, mas os progressos revelados pelas estatísticas são inequívocos.
É verdade que as escolas têm mais computadores. Isso não significa que não subsistam problemas de manutenção das máquinas, que o índice de utilização seja pequeno, nem tão-pouco, que o número de computadores ligados à rede por professor [um computador por cada 70 professores?] seja reduzido.
É verdade que a ministra da educação parece estar sensível às carências das escolas [e que bom seria se as dificuldades se limitassem à falta de computadores…] e já deixou claro que a intenção do governo, ainda nesta legislatura, passará pela reabilitação do parque escolar.

São algumas verdades que pintam de cinzento um quadro negro. Melhorar as péssimas condições de trabalho dos alunos e dos professores é louvável. Mas não chega. E francamente, não encontro motivos para grandes festejos. Nem a velha forma escolar será beliscada com mais tecnologia e com as paredes pintadas, nem a mesma organização escolar sofrerá qualquer fractura. Mas isto é conversa para outra oportunidade. O que está aqui em discussão é um despacho que revela um centralismo sufocante e castrador que tem marcado a relação que o ME quer estabelecer com as escolas. Apetece perguntar: e agora? Qual é o passo seguinte?
A meu ver, este tipo de intervenção favorece a desresponsabilização das escolas na medida em que o que deve ser feito não pode ser sempre antevisto pela tutela, e coarcta a iniciativa dos actores locais que se limitam a esperar por uma nova orientação.

Despachos deste tipo devem ser evitados porque são redundantes. As escolas são obrigadas a realizar planos de formação e planos de actividades subordinados ao projecto educativo. Se estes documentos são alegóricos porque emergem de um formalismo bacoco então o melhor é procurar as causas da subversão ao invés de incrementar ainda mais a burocracia.
Propostas?
Se a tutela duvidar da capacidade das escolas em definir o crédito global de horas, seria prudente acompanhar de perto [as visitas relâmpago da IGE são inócuas] o desenvolvimento do projecto educativo e a concretização do plano de actividades.

26 de dezembro de 2005

Balanço...

… ou um atalho para a caverna.

Desde o primeiro dia que o outròólhar se escreve no plural. Realmente, têm sido vários olhares instigados por sentimentos diversos e antagónicos(?): a alegria de informar e ser informado, o desagrado pelas desinteligências, o prazer das relações, e a dor (de ver definhar um ofício nobre)… sim, dor! “Onde há maior sensibilidade é mais forte o martírio” terá afirmado, e bem, Leonardo Da Vinci.
Conto muitas palavras amargas nestes dois anos de escrita quase diária. Foram registadas cerca de 37000 visitas [30000 terão sido minhas] e produzidas, aproximadamente, 700 entradas. Alguns textos estão marcados pelas vicissitudes de um tempo instável que nos obriga a questionar permanentemente o sentido do nosso labor. Vejo inconstância na escrita. Por breves momentos, noto-lhe um tom mórbido e gasto. É verdade que já viveu dias melhores. Já acompanhou uma blogosfera fulgurante no debate, intensa no despique, generosa na aceitação da opinião de “fora”. Essa blogosfera está a definhar ou terá mesmo falecido. E a escrita acompanhou solidariamente esse “apagão”, aligeirando-se. Se procurasse razões metafísicas para explicar esta viagem diria que uma boa parte dos bloggers iniciaram o seu regresso à caverna. Procuram o mesmo buraco de onde saíram um dia, desejando reencontrar os companheiros que lá ficaram? Não. Procuram outro destino. Procuram outra caverna. O destino do viajante só adquire sentido se se mantém em trânsito. Os bloggers, acompanhados ou solitariamente, tornam o encontro inevitável!
Dois anos de encontros e reencontros! Ainda bem que nos cruzámos por aqui.

Adenda:
Falava de encontros e reencontros…
O Paulo é um viajante que se encontra em trânsito desde o início do mês e só agora nos cruzamos pela blogosfera.
Bem-vindo caro colega e podes desde já contar com a minha visita diária ao teu blogue Precessão.
http://precessao.blogspot.com/
[Sobre o ensino e educação todos têm uma visão. Este é um país com dez milhões de alunos ou ex-alunos. Todos têm uma opinião sobre o que é ser professor e ensinar. Ora isto é algo único não se verificando o mesmo com qualquer outra profissão.]

21 de dezembro de 2005

Bom Natal!

Até à próxima 2ª feira o meu olhar andará longe da escola. Continuarei por cá, levemente, num sopro de uma Aragem.

Um bom Natal para todos os bloggers, colegas e amigos.

20 de dezembro de 2005

Ufa…

... as reuniões ficaram para trás!
Enfim, já respiro de alívio…

Adenda: Não deixe de ler "Gerir o tempo" no blogue Inquietações Pedagógicas.

19 de dezembro de 2005

Ora essa... (II)

"Acho que se justifica o desagrado dos professores com a ministra. Também me desagradaria a mim. E desagrada-me mais ainda como ministra. Muitos professores trabalham imenso. No último ano em que ensinei, dava 23 horas de aulas por semana. Tinha 286 alunos. Se viesse um ministro dizer-me, administrativamente: 'A senhora agora passa a ter mais xis horas de componente não lectiva' quando a minha componente não lectiva não tem sequer limite, eu não ficava zangada, ficava furiosa."
Completa agora o raciocínio: "Eu percebo isso. Mas não são um, nem dois. A maior parte dos professores têm a vida acomodada a esta situação. Ora, os problemas que temos à espera de resolução não se resolvem mantendo a actual situação
."
Maria de Lurdes Rodrigues (Pública – 18/12/05)

Aqui está o reconhecimento que faltava. Afinal, as reivindicações dos professores eram legítimas e justas. Só não percebi o modo pelo qual a ministra ressarcirá os professores pelos danos [morais e financeiros] causados pelas medidas que foram tomadas para resolver a actual situação.

18 de dezembro de 2005

Ora essa…

“Se estivesse no lugar dos professores, também não gostava da ministra da Educação.”
Maria de Lurdes Rodrigues (Pública - 18/12/05)

17 de dezembro de 2005

Maniqueísmos

A recente posição discordante da Associação de Professores de Português (APP) sobre o recuo do ME em manter a obrigatoriedade do exame nacional à disciplina em todos os cursos gerais do 12º ano, recupera o “velho” tema da avaliação externa [e o exame é apenas um dos instrumentos de avaliação]. Repetem-se os mesmos argumentos, prós e contras, sempre escassos para fazer alguém mudar de opinião.
A resistência aos exames que é revelada nos diversos comentários e textos que vou produzindo, decorre do facto de considerar que na tensão entre as desvantagens e as vantagens dos exames, as desvantagens têm mais força. Observemos vantagens e desvantagens dos exames.
Recorrendo a um especialista em educação [creio que os defensores da tese pró-exame não consideram o Professor Domingos Fernandes um especialista em “eduquez”], vejamos as possibilidades que decorrem da realização dos exames.
Das vantagens vislumbram-se as seguintes possibilidades:
1. Exercer um efeito moderador importante nas avaliações internas.
2. Induzir práticas inovadoras de ensino e de avaliação. [Ainda não consegui perceber de que modo é que os exames induzem a inovação. Pelo que me é dado observar noto uma estéril reprodução de práticas de ensino configuradas pelas provas modelo de exame…]
3. Contribuir para avaliar o sistema educativo e ajudar a melhorar a tomada de decisões a todos os níveis.
4. Alertar as escolas para a necessidade de melhorarem os seus projectos educativos. [Isto é, o que as escolas têm de fazer é elaborar projectos educativos à medida das expectativas do administrador, do ME, e não e função dos interesses comunitários. Há uma grande contradição nos discursos oficiais…]
5. Dar indicações úteis às escolas, aos professores e aos alunos acerca do que é importante ensinar e aprender. [Está aqui a razão pela qual nestes 135 anos de governo da educação dos portugueses só três ministros lograram completar uma legislatura]

Por outro lado, os exames também possuem desvantagens que não é possível ignorar:
1. Centram-se sobretudo nos conhecimentos académicos, prestando relativamente pouca atenção a competências úteis, relacionadas com a vida real.
2. Condicionam os objectivos, as estratégias, o envolvimento e as atitudes dos alunos em relação às aprendizagens, nem sempre pelas melhores razões. Exames que usam perguntas objectivas e de resposta curta tendem a deixar de avaliar aprendizagens consideradas fundamentais, como é o caso da resolução de problemas.
3. Podem induzir práticas fraudulentas. Trata-se de uma questão séria em muitos países, onde a corrupção, a compra de cópias de enunciados de exames, a substituição de alunos sujeitos aos exames ou a cumplicidade entre professores vigilantes e examinandos são práticas que acontecem com mais ou menos frequência. [Creio que este argumento também pode ser usado para a avaliação interna]
4. Podem induzir as escolas a concentrarem os seus esforços nos alunos que têm mais possibilidades de ter sucesso nos exames.
5. Podem discriminar, em vez de integrar, alunos. Particularmente no que se refere a certos grupos pertencentes a minorias de qualquer natureza.

É frequente ouvir dizer que os professores que colocam obstáculos à realização dos exames fazem-no por receio ou por alguma inquietação, que advém de pretensos maus resultados dos alunos, resultados esses que reflectirão más práticas de ensino. A meu ver, estas afirmações são maniqueístas e demagógicas e que para serem levadas a sério teriam de considerar a avaliação aferida como uma outra forma de se obter informação de qualidade sobre o sistema apoiando, de igual modo, decisões políticas e administrativas, e dispensando, desta forma, a realização dos exames.
Por outro lado, há a questão da eficácia. É que se for provado que através dos exames é possível determinar os maus desempenhos dos professores, não percebo a razão pela qual se deixam impunes os prevaricadores que, ao longo de tantos anos [de exames e de maus resultados], se fartam de enganar alunos.
É caso para dizer: Estão à espera de quê?

16 de dezembro de 2005

A escola calou-se!

Correndo o risco de me repetir, direi que a escola emudeceu!
Duas medidas legislativas marcaram a agenda do primeiro período escolar: O aumento do tempo de permanência do docente na escola e o diploma que reclama o envolvimento dos professores na elaboração dos planos de apoio para os alunos do EB com maiores dificuldades de aprendizagem. Li resmas de textos sobre os assuntos e a tónica dos discursos incidia, invariavelmente, sobre os efeitos imediatos destas medidas nas aprendizagens dos alunos. Não me lembro de ter lido qualquer abordagem ao tema que incidisse nos efeitos das medidas sobre a [pretensa] alteração da atitude reflexiva do professor. Mais tempo na escola deveria corresponder a mais tempo para pensar a escola e o aluno. E não me refiro a uma reflexão sobre a política educativa ou à análise de cariz sociológico que situe a escola neste tempo. Estou a pensar na reflexão sobre as questões concretas, como por exemplo, a análise das relações e práticas educativas ou a análise das condições do exercício da profissionalidade. Faz-nos falta pensar a escola situada. E já que não é possível construir espaços de debate dentro da escola usemos a grande assembleia em que se transformou a blogosfera.
Isto a propósito de uma troca de comentários no Micómio que me deixaram a pensar na precariedade do professor do séc. XXI.

15 de dezembro de 2005

...

Detesto sentir-me enganado!
Parafraseando o velho professor: quando me fazem de burro há que aproveitar a oportunidade para dar um coice.

14 de dezembro de 2005

Para os viciados na Net :-)


[PS: Não… a minha falta de tempo para a blogosfera não se deve a problemas com os downloads… É que neste amontoado de portefólios não encontro espaço para o teclado…]

13 de dezembro de 2005

Orgulhosamente filhos de Rousseau (1)

A desqualificação da pedagogia.
[…] alguns discursos sobre a educação têm vituperado a pedagogia, a sua preocupação com a igualdade de oportunidades, sobretudo com a igualdade de oportunidades de sucesso, com a centração do processo do ensino-aprendizagem nos sujeitos (não os concebendo apenas, como meros objectos) desse mesmo processo, etc. A contraproposta é a da pedagogia do esforço, do aprender-sofrendo, da elevação do nível pela via da espinhosa subida aos cumes do saber, numa nova perspectiva elitista, fundada agora no mérito dos desempenhos. À preocupação com a educação enquanto meta da formação substitui-se a procura da performance, isto é, a subsunção do ensino-aprendizagem à produção de perfis terminais de sujeitos que venham a desempenhar eficaz e eficientemente diferentes funções sociais e económicas.
Os professores ao integrarem no seu discurso profissional a performatividade como critério pedagógico dão o segundo, e talvez definitivo, passo para a sua desqualificação. É que a performatividade, enquanto critério pedagógico, tem como pressuposto a morte do professor, isto é, a sua substituição por monitores de informação mecânicos, informáticos, telemáticos muito mais proficientes nessa função do que ele.
É, de facto, paradoxal que condenações recentes da chamada «radical demissão da autoridade dos professores» (ver, p.e., M. Fátima Bonifácio, Público, 15 de Fev.) se baseiam numa concepção do professor que parece, nos tempos em que vivemos, condenar este mesmo professor à sua própria morte. Isto é, temos de nos perguntar em que é que assenta a autoridade do professor numa sociedade onde a transmissão de informação e de ideias se realiza de uma forma muito mais eficaz através dos meios de comunicação do que através de um professor-expositor, estruturado pelo magister dixit.
Efectivamente, se o poder do professor vem da legitimidade que o Estado fornece à sua actuação e do prestígio que ele na comunidade constrói e esta lhe confere, a sua autoridade dimana, além disso, do modo como ele articula esse poder e a sua especialização académica no contexto da sala-de-aula e nos diferentes espaços e tempos da escola onde exerce a sua profissão. A sua autoridade, portanto, dimana deste plano que é, em última análise, pedagógico, no sentido restrito e amplo do termo.
Não há dúvida de que a evolução recente da sociedade industrial obriga a uma nova avaliação da fonte de autoridade do professor. E curiosamente embarcamos nesta nova avaliação sabendo que numa sociedade como a portuguesa a especificidade do trabalho pedagógico do professor ainda está por desenvolver, especialmente no que diz respeito aos ensinos secundário e superior onde a «competência científica expressa no grau académico» (conferida pela academia, como lembra F. Bonifácio no artigo acima citado) aparentemente basta para autorizar o que o professor faz na escola e na sala-de-aula. No fundo, os professores não são precisos, sendo antes necessários transmissores e avaliadores de conhecimentos eficazes.
Todavia, e contraditoriamente, no seu discurso identitário os professores parecem procurar muito mais a legitimação da sua autoridade na especialização académica que adquiriram do que no âmbito específico e actual da sua profissionalidade: a pedagogia. Pela despedagogização da profissão docente dão, portanto, os professores um passo definitivo para a sua própria desqualificação.
Além de ser irónico este apelo ao professor durkheimiano de há quase um século atrás – especialmente num momento em que mais do que nunca o professor precisa de justificar o que transmite e a maneira como avalia o conhecimento -, constitui também uma nítida desqualificação do professor como pedagogo, do professor como especialista em Ciências da Educação, com os seus conhecimentos sobre o processo do ensino-aprendizagem, mas também das dimensões sociais da sua profissão e, de uma forma importante, de como evitar indoutrinação, promovendo uma educação orientada para a exploração reflexiva e recíproca dos princípios de verdade e de justiça.” [pp. 41-44]

(1) António Magalhães, Stephen Stoer (1998). Orgulhosamente filhos de Rousseau. Colecção Andarilho, Profedições.

12 de dezembro de 2005

O sistema, o estado e o eduquez.

No dia seguinte, ou nos dias seguintes à jornada futebolística, os “especialistas da bola” debatem os acontecimentos marcantes do fim-de-semana. Engenheiros, advogados, jornalistas, economistas, dirigentes e ex-dirigentes desportivos, reinventaram o conceito de SISTEMA. O SISTEMA é uma espécie de papão que controla o lado oculto do futebol. O sistema é a nossa incapacidade de o compreender. O SISTEMA é o ESTADO quando se coloca a discussão no plano político, e é o EDUQUEZ quando se transporta a discussão para o domínio educativo.
Isto a propósito deste texto "Eduquês" escondido com ministra de fora” assinado por Guilherme Valente [Público de 12/12/05 (edição reservada a assinantes)], que foi vítima da sua própria argumentação. É o que eu costumo chamar de autofagia argumentativa.

[PS: Para quem não teve oportunidade de ler o texto eu tenho Email… ;-) ]

8 de dezembro de 2005

6 de dezembro de 2005

O que fazer da autonomia sem colaboração?

A Grã-Bretanha caiu numa armadilha. [...] “O perigo da focalização dos governos na autonomia das escolas é que eles passam demasiado tempo a pensar nas estruturas, esquecendo o ensino e a aprendizagem em si mesmos e em como o facto de os melhorar poderia levar à criação de modelos adequados a seguir”. [...]
Não queremos cair na armadilha! As questões da autonomia podem ser analisadas sob o ponto de vista da colaboração. Vejamos:
Os autores de referência que se têm dedicado a pensar os problemas da autonomia referem, invariavelmente, uma relação umbilical com o projecto educativo de escola. É a especificidade do projecto educativo que concebe a singularidade de uma escola e a torna diferente de todas as outras. Se me deixar levar por um modesto exercício intelectual afasto os constrangimentos relativos à celebração dos contratos de autonomia. Assumo que as escolas entendem a autonomia como um processo que se constrói na procura e definição da identidade do sistema pelos próprios actores e na capacidade de se organizarem. E admito um consenso generalizado em torno do conceito de autonomia: é um processo que resultou da negociação de todos os actores que fazem parte do sistema escola. Este cenário afasta-se do modelo holandês [autonomia decretada] porque a autonomia, nesta perspectiva, deve ser reclamada, conquistada, e nunca, imposta por decreto.

Encontro-me numa fase em que procuro mapear um problema.

  • Há ou não autonomia pedagógica que conceda à escola as condições para a reorganização dos planos de estudos [matriz curricular] dos alunos?
  • A declarada autonomia concede à escola a possibilidade de tomar decisões ao nível pedagógico, curricular, e poder na gestão de recursos da escola e de pessoal?

Estou a pensar numa verdadeira “revolução organizacional” que se fundaria numa outra lógica de lidar com o saber. Vejamos um esboço académico para o 3º ciclo do ensino básico: A sala de aula abandonaria a configuração tradicional e assemelhar-se-ia com um centro de recursos. É uma alteração que implicaria, forçosamente, o redimensionamento e a reforma dos espaços escolares; A organização disciplinar proposta na Escola da Ponte [não torça o nariz, por enquanto... ;)] seria o ponto de partida para um novo ordenamento disciplinar: a linguística (Português, Ingês, Francês, Espanhol, ….), lógico-matemática (a Matemática, a Física e a Química,…) a naturalista (Geografia, Biologia, História, …), identitária (Educação Física e Filosofia, …) e artística (Educação Visual, Tecnológica, Musical,…). A Informática seria uma área de ligação e de suporte instrumental. Os departamentos disciplinares persistirão, lado a lado com outras unidades que se desenvolvem em resposta a desafios contínuos – equipa educativa que planeia a ligação dos alunos ao mundo do trabalho, a equipa para as relações com a comunidade, etc.,etc.
Regresso, de novo, ao problema inicial: a operacionalidade da autonomia remete-nos para problemas relacionados com a colaboração... huummm….

5 de dezembro de 2005

Colegialidade

João Barroso escrevia em 1992:
É preciso que as escolas façam projectos à sua medida e que transformem o processo de concepção do projecto num momento significativo de valorização pessoal e profissional dos seus membros.”
A colaboração e a colegialidade positiva tem sido apontada como promotoras do crescimento profissional e do desenvolvimento das escolas a partir de dentro, assim como formas de assegurar a implementação de mudanças introduzidas externamente (as reformas, por exemplo) (Hargreaves, 1998: p. 209). No cerne da edificação do projecto educativo, muito perto das culturas de colaboração positivas, estamos, de novo, a apelar à colegiabilidade como um meio para a concretização eficaz das reformas decretadas. Estamos, uma vez mais, a olhar a colegiabilidade como elemento essencial na construção do projecto educativo de escola. Contudo, a colaboração e a colegilidade não estão imunes à crítica. E a maior parte das críticas tem-se centrado mais nas dificuldades de implementação e nas questões relativas ao tempo durante o qual os professores têm a possibilidade de trabalhar juntos e à falta de uma cultura de cooperação de muitos professores. Um outro conjunto de críticas refere-se ao seu significado. As discussões em torno da colaboração e colegilidade são realizadas como se houvesse uma ampla compreensão. Ora, na prática, existe uma dificuldade de entendimento relativamente ao seu significado. A colaboração e a colegialidade podem assumir formas muito diferentes, designadamente, o ensino em equipa, a planificação em colaboração, as conversas nas salas de professores ou fora das salas de aula, as inúmeras pequenas acções de ajuda e conselhos relativos aos recursos, etc., etc.
De facto, o primeiro problema a que procura responder o projecto educativo é o de construir uma linguagem comum no sentido de viabilizar a acção comunicativa, isto é, a abertura à diferença e à interinfluência. Sabe-se como a prática comunicacional no interior das escolas, constitui um problema institucional crónico, para não dizer constitutivo da sua própria cultura organizacional.”

As lideranças da escola têm de fazer o trabalho de casa...

[PS: Só agora percebi o verdadeiro alcance das medidas hostis dirigidas ao tempo do professor: O espírito de grupo saiu reforçado (risos)]

Destaque na imprensa...

Recebi alguns pedidos para divulgar as opiniões dos três especialistas consultados pelo Público e que foram referenciadas na entrada anterior.
Então aqui vai…

"EDUCAÇÃO POLÍTICA PRECISA-SE (Público 3/12/2005)

Há um grande vazio na definição da política da educação em Portugal. A ideia é comum a Ana Benavente, João Barroso e Roberto Carneiro. Depois das grandes reformas dos anos 80, parece ter-se perdido a dimensão ideológica do debate educativo, centrando-se este mais em pequenas medidas de cariz técnico. O que preocupa os investigadores, que partilham uma visão comum do que as escolas do ensino básico e secundário necessitam para responderem aos desafios que lhe são propostos: uma grande dose de autonomia, algo que o poder político continua a recusar-lhes. Por Leonete Botelho

Aescola pública, tal como hoje existe no país, não tem projecto nem tem futuro. Mas isso não quer dizer que deva estar condenada ao desaparecimento, antes pelo contrário: ela pode e deve ser "refundada", pode e deve apostar num projecto próprio e evoluir no sentido de uma real autonomia - pedagógica, administrativa e financeira -, diferenciando a oferta pública, acolhendo a pluralidade social e pondo fim à neutralidade de projectos que hoje torna a escola cinzenta e sem identidade.
Em pinceladas largas, é coincidente o retrato da educação em Portugal desenhado por três especialistas de diferentes quadrantes ideológicos ouvidos pelo PÚBLICO - o ex-ministro de Cavaco Silva, Roberto Carneiro, a ex-secretária de Estado da Educação de António Guterres, Ana Benavente e o investigador no domínio da política e da administração educacional João Barroso. Todos têm pontos de vista convergentes, tanto no diagnóstico como na principal linha de terapia: a autonomia das escolas.
"Continuamos sem uma definição clara de qual é a orientação política da educação e o vazio que existe hoje deriva desta ausência de política educativa", avalia João Barroso, actual presidente do conselho directivo da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. "Isto é mais notório porque a tendência hoje é para despolitizar a educação e olhar para a intervenção no campo educativo apenas de um ponto de vista técnico, como se o problema fosse os instrumentos e não os objectivos", afirma.
"Chegamos a uma situação em que os ministros não dizem que tomam medidas porque são aquelas que servem as suas políticas, mas apenas porque as têm de tomar, em função de interesses externos: a globalização, a competição, o orçamento", acrescenta. "E o que é importante na política, que é fazer escolhas, não é feito", remata.
No mesmo sentido, Ana Benavente considera que se "perdeu a dimensão ideológica do debate educativo", e que existe hoje a tendência de fazer "de cada pequenina medida de gestão uma bandeira política, muitas vezes contra alguém", como diz acontecer agora com as aulas de substituição. "Em Portugal, com os índices que nós temos, a Educação faz falta como do pão para a boca, e não podemos desperdiçar recursos. Mas as políticas muito partidarizadas, muito centralizadas, mediatizadas e uniformizadas não dão bom resultado", afirma.

O "falhanço" das reformas
Para João Barroso, a situação actual deriva, em grande parte, do "falhanço rotundo" das reformas educativas dos últimos 20 anos. "Hoje já ninguém fala em reformas e estas estiveram longe de atingir os objectivos anunciados. O discurso messiânico do Homem Novo, de que era possível fazer a reforma e pô-la em prática, falhou por completo e isso explica muitas das frustrações que hoje vivemos", considera.
João Barroso diagnostica também um falhanço a nível dos discursos ideológicos, tanto do discurso "mais progressista da igualdade de oportunidades, da escola para todos", como do discurso mais neoliberal, no sentido de "atrelar a educação ao emprego e ao mercado de trabalho, criar o mercado da educação, promover a gestão empresarial das escolas".
Se este último não teve grande concretização a nível dos ensinos básico e secundário, já a chamada "escola para todos" acabou, na opinião dos três especialistas, por se tornar uma escola neutra, sem identidade. "O que é errado no modelo da escola pública é confundir igualdade com uniformidade", afirma Barroso. "Pior desigualdade do que dar o mesmo a toda a gente", resume.
Por outras palavras, Roberto Carneiro considera também que "o princípio da neutralidade filosófica da escola é mortal: nenhuma educação é neutra, toda a educação tem de ter preferências, tem de haver projectos educativos", sublinha. Em seu entender, só há uma maneira inteligente de interpretar a "neutralidade" que está na Constituição: "A neutralidade do Estado está em fomentar uma pluralidade de projectos nas escolas públicas de forma a que haja uma oferta plural."
Embora considere que a igualdade das escolas é "um mito" baseado na igualdade de parâmetros, e que na verdade as escolas são todas diferentes, também Ana Benavente reconhece que ainda são muitas as "escolas correntes-de-ar" - sobretudo nas periferias das grandes cidades e no meio rural -, que sofrem todas as consequências das políticas educativas e estão sujeitas a grande instabilidade.

A autonomia
como caminho
Embora tenham pontos de partida diferentes e possam divergir nos meios para lá chegar, os três investigadores apontam um sentido único para a melhoria da educação: a quebra da padronização e o reforço da autonomia das escolas, que deverão construir projectos educativos em diálogo com a comunidade em que se inserem.
Roberto Carneiro - que recorda ter introduzido o tema através do Decreto-Lei 43/89, o único que não levou a Conselho Nacional de Educação e acabou por ser aprovado "à pancada" em Conselho de Ministros, onde caiu por terra a autonomia financeira que propunha-, considera que o essencial é que "as comunidades tomem conta da escola, definam o seu projecto, escolham o seu director e os seus professores". A escola não tem de deixar de ser pública, "ela é eminentemente pública porque é comunitária e não porque pertence ao ME".
"Só quando tivermos escolas públicas especializadas em música, em artes, com um projecto mais cristão ou mais budista ou mais laico, mas uma identidade própria, então naturalmente a escola pode abrir-se a uma selecção melhor por parte dos pais", afirma.
Para Ana Benavente, há exemplos na história que mostram que é possível conciliar qualidade com educação para todos, caminhando para o que chama de "escola inteligente", que ultrapassa o ensino expositivo e a compartimentação dos saberes e incentiva os espaços de diálogo interdisciplinar na escola. "Importante é diferenciar, seja pública ou privada. O melhor das privadas - um corpo docente estável, uma escola com identidade e autonomia - nós também queremos na pública", defende.
"Numa escola pública, o projecto educativo tem de ser plural, porque igualdade é acolher a diversidade", sublinha João Barroso. "Por isso têm de construir mecanismos para que as pessoas participem, discutam, negoceiem, façam contratos, assumam compromissos".
Só assim, considera, se vai criar "uma pressão sobre os professores, sobre os pais, sobre a gestão das escolas para definir claramente o que querem fazer, como querem fazer, com que resultados e com que meios". E depois contratualizar com a administração, de forma a que as duas partes assumam as suas responsabilidades.
O problema é que a autonomia é "uma retórica sem prática". Apesar de estar na lei há muitos anos, apenas um contrato foi celebrado até hoje. Porquê? "É uma questão política, de poder", responde Roberto Carneiro. "Quem tem o poder dificilmente o distribui."
João Barroso subscreve, mas vai mais longe: "Não pode haver um projecto educativo local se não houver um projecto educativo nacional, e hoje a sociedade portuguesa não tem projecto político definido. Não há educação sem política. Repolitizar a educação é fundamental."

4 de dezembro de 2005

Breves

Desilusão…
…logo pela manhã. A família decidiu instalar-se na bonita biblioteca municipal sob o pretexto de colaborar numa pequena tarefa escolar a pedido da herdeira. Foi com surpresa e algum desencanto que encontrámos o local desértico…
Que desperdício!

Daniel Sampaio…
…retoma o tema das aulas de substituição na Xis do Público.
Os mesmos argumentos com nova roupagem.

“Educação política precisa-se”
As opiniões da Ana Benavente, João Barroso e Roberto Carneiro convergem em torno da necessidade do reforço da autonomia das escolas. O projecto educativo local desenhado pelas escolas é um elemento estruturante para a contratualização dos níveis de autonomia.
Está em curso a recuperação de uma das medidas mais marcantes do ex-ministro Marçal Grilo.

2 de dezembro de 2005

Demissões II

Recuperei do Público um texto interessante. É um olhar lançado a partir da escola situada - espaço onde se manifestam todos os problemas e aferidas as soluções. É um texto que nos conduz aos problemas concretos que marcam o dia-a-dia das escolas exigindo dos professores competências que o saber técnico parece ignorar.

"Respostas da escola

Na escola do primeiro ciclo de Carrazeda detectaram-se dois irmãos, de 6 a 8 anos pejados de piolhos.(...) Esta situação, se não fosse resolvida, para além dos inconvenientes para as duas crianças, traria um problema de higiene pública para toda a comunidade escolar implicada. (...)
Num tempo de novos paradigmas familiares, de surtos migratórios que condicionam as relações sociais, de discriminação social e de criação de fossos sociais cada vez mais definidos, por falta de modelos de referência para os jovens, de aumentos da criminalidade e delinquência juvenis, num tempo em que os antigos meios de socialização vêem a sua influência cada vez mais reduzida (família, Igreja, clubes, partidos, movimentos associativos), exige-se à instituição escolar a responsabilidade de dar resposta a todos os problemas da sociedade.
É à escola que todos apontam o dedo, no sentido de resolver os problemas que eles mesmos, pais, instituições e poder político, não o sabem ou podem fazer. Não é difícil criar uma lista das responsabilidades a ela atribuídas: transmite conhecimentos, certifica saberes, gera valores humanos, estrutura aprendizagens, desenvolve aptidões, incrementa paradigmas, molda comportamentos, integra socialmente, prepara para a cidadania, ensina a democracia, substitui o encarregado de educação na transmissão de valores disciplinares e de exigência...
O fardo parece tornar-se insuportável para esta instituição social. É fácil atribuir ao sistema escolar a responsabilidade por qualquer falha de um cidadão ou de um grupo (...). Os condutores têm acidentes porque a escola não lhes soube ensinar as regras de trânsito. Os jovens metem-se na droga e enveredam pela delinquência porque o professor não lhes soube transmitir os valores da cidadania...
Voltando ao caso com que iniciámos este escrito, conseguiu-se com as boas graças do presidente da junta comprar um champô desparasitante e, recorrendo aos balneários da EB 2, 3 e à boa vontade de um professor e de um funcionário, desparasitar as cabeças dos alunos referidos. Foi esta a resposta que se deu e à primeira vista a mais acertada. Porém, se reflectirmos um pouco mais não estará também a instituição, ao resolver problemas que não tem de solucionar, a contribuir para uma cultura da irresponsabilidade de outros organismos sociais?"

José Alegre Mesquita
Carrazeda de Ansiães