“[…] É natural que os alunos não gostem de exames. Os professores também não. Mas os exames, aqui ou em qualquer parte do mundo, são necessários. Mais: são indispensáveis para ver o que é que se aprendeu. No nosso ensino superior, temos exames a mais. Em contraste, no nosso ensino básico e secundário, temos decididamente exames a menos. Os exames nacionais têm estado quase reduzidos aos do 12.º ano (as chamadas "provas de aferição" não são exames: eram feitas apenas por amostragem, são anónimas e não contam para o percurso escolar do aluno; e os exames do 9.º ano são muito limitados, contando só 30 por cento para a nota). E, o que é pior, os poucos exames que há têm sido mal concebidos: às vezes não passam de meras charadas e chegam a conter erros grosseiros (o mais famoso ocorreu num exame de Geometria Descritiva, no qual uma recta só poderia ser tangente a uma circunferência com o auxílio de um "lápis grosso"!). Em resultado dessa escada com um só degrau, os alunos chegam ao ensino superior sem o traquejo que apenas pode ser dado por um sistema de avaliação progressivo e rigoroso. Como podem jovens que não fizeram treinos nem suficientes nem suficientemente árduos entrar de repente em jogos de alta competição? […]” [Carlos Fiolhais, Público, 22/06/2007]Este destaque foi retirado de um artigo de opinião, no jornal Público, do blogger Carlos Fiolhais. Vou servir-me da sua analogia (jogos de alta competição e exames escolares) para demonstrar precisamente o contrário do que é defendido neste artigo: que os exames devem fazer-se porque é preciso dar o traquejo às crianças e jovens para a realização de exames no ensino superior. Ora, a meu ver, a defesa dos exames no ensino básico e secundário sustentada pelo argumento de que na competição desportiva de crianças e jovens as competições obedecem aos mesmos quadros de referência das competições realizadas pelos adultos é equívoco como se perceberá mais adiante.
Observemos algumas referências a investigadores que se dedicam ao estudo da competição no desporto para crianças e jovens:
A competição é intrinsecamente positiva e a participação em actividades competitivas dá a oportunidade para desenvolver as competências, na procura da excelência, da superação (Drewe, 1998).
“No desporto de alto rendimento a competição é o quadro de referência para a organização do treino; no desporto de crianças e pubescentes, a competição deve constituir uma extensão e complemento do treino” (Marques, 1999: 26). As competições devem servir os propósitos da formação, e por isso, devem estar ligados não só no plano organizativo, como nos conteúdos (Weineck, 1983).
As competições devem ser encaradas numa óptica de progressão, mesmo num quadro que visa a preparação de atletas para o alto nível. Nas primeiras fases, o divertimento e o prazer são os objectivos primeiros, existindo de seguida uma evolução posterior até se chegar às competições olímpicas (Bompa, 2000).
O que se pretende é introduzir alterações na competição de forma a torná-la mais adequada aos objectivos de formação: por um lado, contribuindo para o desenvolvimento da multilateralidade, não só uma multilateralidade geral – competições múltiplas (Rost, 2000) – como uma multilateralidade específica – adequada às necessidades de cada desporto (Marques, 1997); e por outro lado, estimular o desenvolvimento de pressupostos de prestação que já são treináveis nas primeiras fases da preparação desportiva – desenvolvendo preferencialmente os pressupostos coordenativos.
Se as alterações na estrutura e regulamentos das competições começam a deixar de gerar resistências por parte dos responsáveis pelas actividades físicas dos mais jovens, a alteração do conteúdo das competições já é defendida por um número crescente de especialistas (Rost, 2000; Lima, 2000).
No que diz respeito à relação entre o treino e a competição, importa sublinhar o facto de a competição servir para ajudar os jovens a prepararem-se para as exigências do desporto de alto nível. Segundo Tschiene (1995, cit. por Marques, 1996), no estádio de treino de base, as competições devem constituir-se como forma de treino e de carga, e servirem como reforço da motivação para o treino. Ao longo da etapa de especialização aprofundada, vamos assistindo a uma alteração progressiva nos objectivos das competições. Se inicialmente as competições continuam a constituir-se como formas de treino especializado, vão com o tempo, assumindo o seu papel de comparação de rendimentos. Um quadro de especialização acelerado do sistema de competições promove a especialização precoce dos jovens desportistas, que de uma forma legítima procuram alcançar o sucesso nas competições em que participam. Por esta razão, a especialização progressiva no sistema de competições deve ser feita em estreita compatibilidade com o grau de especialização do treino (Marques, 1999).
Martin (1999) considera que os objectivos de treino não podem ser orientados para os melhores resultados individuais alcançados no momento, em termos de rendimento. “Aquilo que é importante é respeitar as tarefas de cada etapa de treino, os seus objectivos e os seus conteúdos e procurar alcançar os níveis previamente determinados da capacidade de rendimento e dos pré-requisitos. (...) Uma vez que o treino de jovens tem um carácter e funções de perspectiva, os objectivos e conteúdos de treino devem atender à multilateralidade e à especialização temporal” (Martin, 1999:57).
Regressando ao tema de entrada, os exames devem subordinar-se aos objectivos de formação das capacidades dos alunos do mesmo modo que a competição desportiva deve subordinar-se aos objectivos da formação das competências psico-motoras dos jovens praticantes.
Bibliografia consultada:
Bompa, T. (2000). Planeamento a longo prazo: o caminho para a alta competição In: Adelino, J.; Vieira, J.; Coelho, O. (Coord.) Treino de Jovens. pp. 139-150. Ed. CEFD. Lisboa.
Drewe, S. (1998). Competing Conceptions of Competition: Implications for Physical Education. European Physical Education Review. 4, (1), 5-20.
Marques, A. (1997). A preparação desportiva de crianças e jovens – O sistema de competições. In: Guedes, O. (Org.). Atividade Física: Uma abordagem multidimensional. João Pessoa, Ideia. Brasil.
Marques, A. (1999). Crianças e Adolescentes Atletas: entre a escola e os centros de treino... entre os centros de treino e a escola! In: Adelino, J.; Vieira, J.; Coelho, O. (Coord.) Treino de Jovens. pp. 17-30. Ed. CEFD. Lisboa.
Martin, D. (1999). Capacidade de Performance e Desenvolvimento no Desporto de Jovens In: Adelino, J.; Vieira, J.; Coelho, O. (Coord.) Treino de Jovens. pp. 123-134. Ed. CEFD. Lisboa.
Lima, T. (2000). Competições para jovens. In: O melhor da revista treino desportivo. pp. 235-248. Ed. CEFD. Lisboa.
Weineck, J. (1983). Manuel d’Entrainement. Vigot, Paris.
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