Percorri num único fôlego as 31 páginas do documento e percebi, ainda com mais clareza, a fixação [será fetiche?] dos adeptos do “anti-eduquês”[não é nada de pessoal, caro anti-eduquês ;)]... e do “cratês” pelas ideias de Rousseau. Olga Pombo, inspirada no texto de Hannah Arendt “A crise da educação”, aponta três razões que podem explicar a crise da educação nos EUA, e que podem ser generalizáveis a outros pontos do mundo:
"1ª razão - a ideia de que "existe um mundo das crianças e uma sociedade formada pelas crianças, que estas são seres autónomos e que, na medida do possível, se devem deixar governar por si próprias";Olga Pombo considera que na articulação e nos efeitos conjugados, essas três razões [alerta que foram formuladas nos anos 50] podem “ajudar-nos a desvelar alguns dos equívocos que organizam a nossa actual compreensão da escola, daquilo que pensamos que ela pode fazer e daquilo que pensamos que se lhe pode exigir.”
2ª razão - a ideia de que há uma "pedagogia ou ciência do ensino em geral", com a independência suficiente para que a actividade de ensino se possa "desligar completamente da matéria a ensinar";
3ª razão - a ideia, de inspiração pragmatista, segundo a qual "se não pode saber e compreender senão aquilo que se faz por si próprio".
E o que fazer se verificarmos falta de consistência no postulado? E se notarmos que as razões invocadas pela autora não encontram eco nos diversos sistemas educativos? Então, podemos sempre ler e fazer o que Olga Pombo sugeriu no texto dedicado a Rousseau: dispersar a semente do prazer intelectual e estético que se retira da leitura dos seus textos.
Regresso às razões. A meu ver, a unidimensionalidade da escola atesta a heteronomia. E como diz, e bem, António Sérgio «a heteronomia pode ser um processo de domesticação de bichos; mas só na autonomia – e pela autonomia – se realiza uma verdadeira educação. Porque os sistemas educativos [e não me refiro apenas ao português] não reconhecem a autonomia das crianças, não vejo como esta razão possa explicar a crise da educação.
Em segundo lugar, a ideia de que a matéria de ensino se pode desligar da actividade de ensinar já foi aqui tratada aquando da referência ao artigo do colega Desidério Murcho. No ensino, descurar a formação científica é tão grave como desprezar a formação pedagógica. E pensar que a primeira dispensa a segunda é aceitar a “prescindibilidade” do professor, num tempo em que o ensino à distância é já uma realidade.
Em terceiro lugar, é no mínimo curiosa a asserção segunda a qual alguém pode compreender algo sem agir sobre a matéria a aprender. E é curiosa porque este “fazer” deve ter como quadro de referência o perfil das aprendizagens. “Fazer” acções psicomotoras ou “fazer” acções cognitivas “puras” implica, obviamente, o sujeito que as faz, e as capacidades que sustentam essa actividade, sejam elas, físicas, cognitivas, volitivas ou afectivas. Ninguém aprende sem um fazer algo, sem um agir sobre, sem fazer uma acção mental.
Apesar de encontrar fragilidades nestas proposições que procuram explicar a crise da educação, há, contudo, aspectos em que estou de acordo com a autora, nomeadamente, partilho a mesma estupefacção pelo silêncio oficial sobre o papel dos outros agentes educativos nas crianças e jovens. Distancio-me claramente da autora quando reclama para a escola a exclusividade do papel instrutivo; Quando afasta da escola a função educativa. Ora, a meu ver, a escola não é um espaço apassivante de mera transmissão cultural, mas tem de ser um processo activante de assimilação, crescimento e desenvolvimento pessoal. Como diria Patrício, assimilação de quê? De si e da realidade envolvente. E o papel da educação é exactamente o de situar o homem no seu tempo, nos seus problemas e necessidades. A instrução é, neste processo, um mero instrumento.
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