15 de junho de 2007

Hipocondria

Crónica

Escrevi parte deste texto no dia 24 de Janeiro de 2004. A ameaça dos cortes cegos na função pública tinha-se concretizado e com os resultados que todos conhecemos: a diminuição da eficácia de um conjunto de sectores da administração pública, designadamente, os sectores da educação e da saúde. Os tempos que correm relevam a orientação do texto e observo que a alteração do quadrante político no poder do Estado não lhe constrange o sentido.
A redução do número de funcionários públicos tem correspondido a uma lógica de investimento e de negócio dos nossos "empresários" que buscam o lucro fácil dos serviços. Percebe-se muito bem a pressão que é exercida sobre os partidos políticos que se revezam no governo, no sentido de fazer desviar para a iniciativa privada os negócios da saúde e da educação. E para abrir caminho à privatização dos serviços, a estratégia passou por inculcar na opinião pública a ideia de que o corpo do estado é oneroso e mal governado. Vista do exterior, a imagem deste corpo é má, à qual não será alheia a hostilização continuada por "iluminados" neoliberais na comunicação social. O olhar na 3.ª pessoa não difere muito da representação que muitos funcionários públicos têm de si próprios. Isto é, o olhar na 3.ª pessoa não é substancialmente diferente do olhar na 1.ª pessoa, qual reflexo ambivalente.
A visão biológica do funcionalismo público, obviamente redutora e cartesiana, usa a metáfora do estado obeso para consolidar a imagem de um funcionalismo público dispensável. No entanto, e se prosseguirmos com coerência esta linha de pensamento, o Estado, ou melhor, o governo do Estado e as estruturas superiores do funcionalismo público, têm o dever de articular, com harmonia, o funcionamento do seu corpo: a mente também é corpo; o próprio governo é uma parte do corpo do estado. São entidades dependentes e comprometidas. Emagrecer o estado não pode implicar a auto-mutilação.
Imaginemos um quadro macabro: o que sucederia a um adolescente que, olhando para o seu corpo onde o ritmo de maturação das estruturas biológicas não é harmonioso, decidisse eliminar partes de si? Se evidenciasse vontade e revelasse sinais de que estaria disposto a concretizar essa intenção, teria de ser internado. Diria, mesmo, compulsivamente internado para seu próprio bem.
Ora, o problema maior é que se crê que a solução para resolver os problemas do Estado passa pela amputação dos seus membros ou de outro qualquer elemento constituinte. Proponho, então, do mesmo modo que proporia ao jovem adolescente, o internamento do governo. E se não tivéssemos tantos problemas no sector da saúde, sugeriria, também, o acompanhamento clínico dos deputados (da maioria e da oposição) que padecem do mesmo mal...

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