À epígrafe subjaz uma das muitas diferenças que explicam como, tão perto, estamos tão longe. Foi escolhida pela Consejeria de Educación da Junta de Andalucia, da vizinha Espanha, para lema de uma campanha na imprensa, rádio e televisão, visando prestigiar, reconhecer e valorizar socialmente a profissão de professor.
A Consejeria está para o governo autonómico da Andaluzia como o nosso Ministério da Educação está para o governo do país. A sua titular, consejera (ministra) Cândida Martinez, considerou o conjunto dos 112.000 professores sob sua tutela "o elemento central do sistema educativo" e quis, com esta campanha, "agradecer em nome de toda a sociedade o trabalho que, em cada dia, realizam estes docentes" nas suas escolas.
É caso para dizer, ironicamente: lá, como cá! Lá, 20 anos de adesão à Europa transformaram a Espanha numa das 10 maiores economias mundiais e 45 milhões de habitantes em cidadãos. Apesar do atraso, da presença de nações distintas e dos antagonismos linguísticos. Aqui, primeiro-ministro, ministra da Educação e sequazes, tudo têm feito para dividir os 10 milhões de habitantes em bons e maus, produtivos e vilões. Porque a cidadania é escassa, o populismo destes pequenos políticos resulta e espelha-se nos fóruns da TSF e Antena 1, nos correios dos leitores da imprensa escrita e nos comentários dos blogues. Os professores são hoje, infelizmente, para muitos portugueses invejosos e pouco esclarecidos, os novos párias da sociedade.
O anunciado prolongamento das negociações entre a plataforma sindical e o Ministério da Educação sobre o estatuto dos professores está obviamente condenado ao insucesso. Os sindicatos reclamaram-no para não serem acusados, mais do que já são por alguns, de intransigência. O ministério aceitou-o porque a lei assim obriga. Ambos sabem que o resultado vai ser nulo. Mas o tema justifica algumas considerações, entre tantas possíveis, que ofereço à reflexão de quem pensa que os sindicatos não passam de forças de bloqueio e os professores de desavergonhados privilegiados.
Para reunir cerca de 30.000, vindos de todo o país em dia feriado, e conseguir uma adesão da ordem dos 80 por cento a dois dias de greve, tem de haver um número esmagador e bem superior de professores descontentes. Esta realidade está bem para além da influência do PCP ou dos sindicatos. Significa uma ruptura absolutamente única entre o corpo docente e o Ministério da Educação.
Pouco importa que o primeiro-ministro, alardeando insensibilidade política e sobranceria pessoal, fale de humor quando devia aproveitar, democraticamente, para reflectir sobre a natureza da mensagem. Pouco importa a boçalidade das gargalhadas da ministra quando interrogada sobre o facto. Os atentos sabem que não há concerto possível para esta política de reformas, que assenta no ataque a determinados grupos profissionais, instigando terceiros contra os "privilégios" por aqueles adquiridos.
Falemos de "privilégios". Qual é o vencimento liquido dos professores, depois de 16 anos de estudo, pelo menos, a que acrescem formações periódicas obrigatórias, pós-graduações, mestrados e doutoramentos em número já significativo, pagos do próprio bolso? Em inicio de carreira são cerca de 760 euros, 1000 ao fim de 13 anos de serviço, 1400 ao fim de 23 anos de trabalho. Com 30 anos de serviço chegam aos 1700 euros. Será isto escandaloso?
O impacto da diminuição salarial proposta pelo Ministério da Educação, projectada ao longo da carreira, chega a atingir verbas da ordem dos 300.000 euros. Não deverão os professores lutar por estes "direitos adquiridos"? Para justificar esta rapina, os novos justiceiros falam de justiça social. Estranha maneira de fazer justiça, radicada no cortar, no diminuir e no vilipendiar os que já têm algo. Por que não escolhem aumentar os que têm menos, em vez de lhes alimentar ressentimentos? Que progresso é o deste país, que anda para trás em nome da justiça social?
Qualquer professor tem 35 horas de serviço semanal, como qualquer funcionário público. As 13 dessas horas que não são de aulas são insuficientes para realizar as tarefas que cabem a um professor. Por favor, peço aos portugueses mais distraídos que façam alguns exercícios fáceis. Estejam atentos ao próximo teste que os vossos filhos levem para casa. Leiam-no e reescrevam as anotações que os professores lá exararam. Pensem que ter 200 alunos é uma média corrente. Se o professor fizer dois testes por período e gastar 15 minutos a corrigir cada um, necessitará de 100 horas. Quer isto dizer que lhe sobram 50 horas, nesse período de três meses, para reuniões na escola, preparar lições, atender pais, etc., etc. Onde vai esse tempo?
Por favor, preencham duzentas daquelas fichas idiotas que os professores têm que preencher. Cronometrem o tempo.
Experimentem um só dia espreitar para o interior de uma escola, daquelas em cujas imediações a policia apreendeu, desde o inicio do ano lectivo, 1159 doses de heroína, 1406 de cocaína e 3358 de haxixe. Não falhem uma daquelas onde há rapazinhos com pulseiras electrónicas no tornozelo.
Se não mudarem as ideias sobre os privilégios dos professores, digam-me, que eu sugiro mais exercícios, de tantos que poderão clarificar o que é ser professor, hoje, em Portugal.
(1) Santana Castilho
Professor do ensino superior
[in: Público 6/11/06]
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