12 de março de 2006

Enredado na própria teia

Ando a ler, pausadamente, o livro de Nuno Crato (NC). Não estou sozinho como seria de esperar. Conheço alguns colegas que já decidiram percorrer o mundo do “eduquês” através de um dos seus defensores. Embora NC procure colocar-se no lado da barricada dos “não-eduqueses”, ele acaba por revelar o seu papel de infiltrado [;-)]. Ora vejamos este pequeno excerto:

O presente texto [refere-se ao seu livro] pretende descortinar, por detrás de posições avulsas e documentos confusos [refere-se aos “eduqueses”], algumas das ideias essenciais que aparecem associadas a essa corrente pedagógica de inspiração pós-moderna e romântica”. (p. 12)

Se buscasse um aspecto secundário do “eduquês” [caracterizado pelo uso de uma linguagem hermética] teríamos aqui um bom exemplo. Mas fixemo-nos no que pretende o autor: descortinar, por detrás de posições avulsas [retiradas do contexto, como é o caso] algumas ideias essenciais [o que não é nada fácil até porque NC reconhece que as ideias se escondem por detrás de uma linguagem hermética] e associá-las a essa corrente de inspiração pós-moderna e romântica. Corrente de inspiração pós-moderna e romântica? Presumo [aí está, sou obrigado a presumir porque o autor não foi claro ao ponto de dizer o que entende por pós-moderna…] que esta corrente pós-moderna é um efeito da pós-modernidade que não é mais do que uma condição social que compreende padrões particulares de relações sociais, económicas, políticas e culturais. Haveria muito a dizer sobre esta afirmação mas fico com a ideia de que o autor está agarrado a um paradigma de modernidade, como se fosse possível regredir no tempo.

NC é um investigador que decidiu opinar sobre a educação. E se lhe deram oportunidade de publicar a sua opinião, fez muito bem em partilhá-la. Podiamos ler a sua opinião num blogue, numa página de jornal ou num comentário televisivo. Num livro sempre é mais rentável para o autor. No fundo, é mais um olhar sobre as questões educativas. E como reconhece NC, o seu texto [em forma de livro] não “constituiu um estudo empírico nem uma síntese de resultados ou das influências práticas das ideias”: Propõe-se criticar ideias e mostrar algumas das suas possíveis implicações. “O que importa são as ideias não são as pessoas”. Eu reforço: o que interessa são as ideias. É talvez por isso que não deixo de me preocupar com as opiniões que desvalorizam a linguagem técnica e com as acções que directa ou indirectamente preparam o terreno para o avanço das políticas educativas de tipo neoliberal. Tenho por NC um enorme apreço pelo seu trabalho de divulgação científica e não sendo um apreciador de “matematiquês” faço um esforço para descodificar a linguagem hermética usada por si e pelos seus pares. Seria bom que NC e todos os infiltrados em “eduquês” fizessem o mesmo esforço e reconhecessem as suas limitações de compreensão nos assuntos que não dizem respeito ao “matematiquês”.

NC defende as suas ideias apoiando-se num exercício de retórica sem apresentar estudos empíricos e dados científicos que as sustentem. NC acaba, assim, por se deixar enredar na teia que construiu porque ao desvalorizar as ideias que não decorrem de estudos empíricos e dados científicos acaba por depreciar a sua própria retórica.

Adenda: Isto a despropósito(?) do tema desta entrada, para quem só vê desgraça no ensino secundário, atente este breve apontamento:
“o ensino secundário tem-se vindo a revelar particularmente apto a desempenhar uma função de formação que ganha sentido à medida que o aluno, enquanto indivíduo, se reconhece como autor do seu próprio sucesso/insucesso escolar e, consequentemente, responsável pelo seu próprio destino.”

Humm.... estranho: Investigação e trabalho empírico de suporte a essa investigação nas Ciências da Educação? Ora, aqui está uma boa notícia para o Nuno Crato e para os seus colegas “eduqueses”…

1 comentário:

Anónimo disse...

Nunca li Nuno Crato em formato livro. Li apenas alguns artigos de opinião e li e ouvi uma ou outra entrevista. Parece-me que ele explora o tema educação não-superior a partir de um pressuposto: o ensino português chegou ao estado em que está, i.e., mau (terá chegado a existir uma época de ouro?), por causa de de um pseudo-discurso científico sobre educação que (de)formou uma ou duas gerações de professores e as respectivas prácticas de ensino. Este "eduquês" ter-se-á sobreposto aos conhecimentos de matemática, português, ciências, etc., na formação dos professores. Tenho passado por algumas escolas e tenho verificado que estas ideias não passam de pura fantasia. É pura fantasia que nas escolas haja pedagogia a mais e ensino a menos. Por muito boa vontade que haja (e há), as aprendizagens não são planificadas, sobretudo a longo prazo; raro é o aluno a quem é oferecido um ensino coerente ao longo de um ciclo. Logo à partida, os programas não ajudam muito... Para muitos alunos, o(s) conhecimento(s) é/são uma barreira intransponível. Será por excesso de pedagogia?
Por ser uma fantasia, não sei a quem interessa a agenda educativa de Nuno Crato. Ao ensino básico e secundário português não é de certeza.

pedro