3 de novembro de 2005

Autonomia docente

O Miguel tem defendido persistentemente, digo eu, a criação de uma Ordem de Professores. Utilizou três argumentos para fundamentar a sua opinião:
1) A criação da Ordem reforçaria a credibilidade da função docente na opinião pública;
2) A Ordem mobilizaria os professores evitando a dispersão de energias [a diversidade do movimento sindical actua em movimento contrário] “balcanizando” a corporação;
3) O terceiro argumento reporta-se ao controlo da qualidade do docente através de “um exame sério e rigoroso, de dez em dez anos, por forma a verificar a sua capacidade em termos de conhecimentos científicos e pedagógicos”.

Foquemo-nos na sustentabilidade dos três argumentos: Em primeiro lugar, nenhuma Ordem controlará as causas exógenas da degradação da função docente, causas essas relacionadas com o amplo movimento social que relativiza o valor da escola e que, por arrastamento, desvaloriza o papel do professor; Em segundo lugar, uma Ordem excessivamente interventora correria o risco de se “partidarizar” [a partidarização é uma das críticas assacadas ao movimento sindical] degradando, consequentemente, o espírito corporativo; O terceiro argumento, prontamente contestado pelo PJ [comentário colocado no Micómio], não encontra eco na tradição portuguesa que, como foi relembrado, não inclui o exame a não ser nos casos em que os candidatos à profissão não são creditados. Poder-se-ia questionar se a ausência de tradição deste tipo de prática a torna irrelevante, mas não é este o assunto que me interessa discutir. O que suscitou esta pequena reflexão foi o argumento de fundo [referido pelo PJ] contra a criação da Ordem dos Professores e que conduzirá a discussão para o domínio da autonomia: “Trata-se do grau de autonomia das funções docentes” que, no caso do professor do ensino básico e secundário é diminuta quando comparada com a autonomia dos colegas do ensino superior e inócua quando equiparada às profissões liberais.

Ora, é a discussão sobre a autonomia docente que me atrai. A autonomia [científica?] dos docentes do ensino básico e secundário não é comparável à autonomia dos docentes do ensino superior no que concerne à possibilidade de “criar o seu” programa, prosseguir indicações curriculares restritas à instituição e proceder a uma avaliação própria. Contudo, ao entendermos a autonomia na perspectiva de Contreras (1999:204) “ [(…) um processo de emancipação, o que requer uma análise das condições da prática e do pensamento”], invocamos a independência intelectual dos docentes que se justifica pela ideia da emancipação pessoal da autoridade e do controle repressivo, da superação das dependências ideológicas ao questionar criticamente as concepções de ensino e de sociedade. É uma crítica às demandas da comunidade, mais ou menos próxima [e relevo neste ponto a crítica à própria instituição], que impulsiona os professores do básico e do secundário para a primeira linha autonómica podendo deixar para trás [nesta corrida esotérica] os seus colegas do superior que se vêem coarctados, no seu elevado espírito crítico, pelo hermético modus vivendi instalado nas Universidades e Politécnicos.

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