25 de setembro de 2005

Estados de espírito

Um exemplo:
Uma colega desabafa, no clímax do braço de ferro entre os professores e o ME, durante a época de exames de Julho:
- Já me lembrei de rumar para um país qualquer e mudar de vida… fiz-me professora com um sonho e agora? De certeza que não me sairia mal a vender papel higiénico… ou outra tralha qualquer. Tenho a certeza que serei sempre uma boa profissional.
- E o que farás a seguir, quando perderes o sonho?
- ???

Observem como este desabafo encerra dois estados de espírito antagónicos: Por um lado, a colega revela um profundo descontentamento com a conjuntura da educação em Portugal, uma visão pessimista da profissionalidade que admite a ruptura, o abandono da profissão.
Por outro lado, percebe-se que o discurso encerra uma enorme confiança nas possibilidades pessoais, uma visão optimista da suas capacidades individuais que lhe permite enfrentar qualquer desafio, inclusivamente, o começar do zero. Emerge a plasticidade do professor constantemente solicitada pela sua prática docente.

Outro exemplo:
Multiplicam-se os sinais de desconforto pela situação vivida nas escolas. Por um lado, sucedem-se os relatos de uma resistência mais ou menos activa às exigências desqualificantes da função docente. O controlo burocrático estupidificante exige que o professor se apresente a um funcionário zeloso e marque a sua presença em cada 45 minutos do tempo de escola. Se este quadro revela um problema não deixa de apontar uma solução: Os conselhos executivos não podem ser mais papistas que o papa e cuidar, através de acções organizativas inteligentes, do ambiente da escola. Na ânsia de cumprir as determinações hierárquicas não podem perder de vista as superiores necessidades dos alunos e da escola. E isso só é possível com a adesão dos professores… Os professores estão pessimistas com os efeitos das mudanças impostas.
Por outro lado, a situação favorece a criação de pequenas comunidades que aproximam a vida profissional e pessoal dos professores, de um modo que apoia o seu crescimento e permite que os seus problemas sejam discutidos. Se observarmos a mudança sob este ponto de vista, há um enorme optimismo.

Quando falamos de pessimismo e optimismo não podemos ignorar o investimento de cada um na profissão. Altas expectativas defraudadas têm os seus custos. É normal que o sentimento dos professores [principalmente dos que investem seriamente na sua profissão] seja de desânimo quando percepcionam um ataque à sua dignidade profissional. É preciso discernir, no meio deste fogo cruzado, quais são os verdadeiros desafios que temos de enfrentar. E não podemos desperdiçar a nossa energia em diálogos surdos. Já todos percebemos que este ME é autista e que por via da sua estratégia de acção política transformou os professores em adversários. Já todos percebemos que, no emaranhado da comunicação social, não podemos confundir uma notícia de um artigo de opinião; há fazedores de opinião que, por variadas razões, abrem caminho às tomadas de decisão políticas adoptando, assertivamente, discursos optimistas ou pessimistas acerca do ensino; que existem muitos órgãos de gestão excessivamente zelosos cuja única preocupação é demonstrar, perante a administração central, a sua qualidade de alunos exemplares.

É preciso avaliar correctamente a situação e reorganizar o sentido profissional! Dizer-se optimista ou pessimista de pouco vale para enfrentar a conjuntura. A distância que separa o pessimismo do optimismo é muito curta. E um sentimento efémero. Mais importante do que revelar o nosso pessimismo ou optimismo, há que reflectirmos, avaliarmos, partilharmos, cooperarmos, desenvolvermos verdadeiras culturas de escola que rejeitem a funcionalização do professor. Que rejeitem a passividade, o acriticismo e a subserviência. E isso não depende dos outros. Depende da forma como nos situamos na profissão.

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