Crónica
A desqualificação da actividade docente está a cavar-se perigosamente em Portugal na sequência da perseguição de objectivos economicistas claros: a redução da despesa pública a todo o custo. É um fenómeno perverso pelos seus efeitos na qualidade das práticas educativas; é um fenómeno oportunista porque busca a legitimação em baldios pedagógicos, como por exemplo, a oferta da Educação Física no 1.º ciclo do ensino Básico; é um fenómeno contagioso porque poderá alastrar a todo o ensino Básico e Secundário.
A recente medida legislativa de alargamento da oferta de actividades de enriquecimento curricular nas escolas do 1.º ciclo do ensino Básico oficial tipifica este desígnio economicista. As autarquias assumem as competências de organização da actividade física sem a garantia de condições de praticabilidade e de recursos humanos qualificados. Hoje, é perfeitamente possível "leccionar" desporto escolar num pátio de escola, num vão de escada ou numa sala exígua, orientado por monitores ou alunos "pré-licenciados"; a precariedade no emprego empurra licenciados de Educação Física para este tipo de cenários, tornando-os coniventes com a sua própria desqualificação.
Apesar de continuar a existir a obrigatoriedade da Expressão Físico-Motora no plano curricular do 1.º ciclo do Ensino Básico, a oferta de escola de Actividades Físicas e Desportivas (no prolongamento do horário) acaba por ter um efeito dissuasor nos professores titulares, o que conduzirá, a breve prazo, ao afastamento desta área dos referenciais curriculares do 1.º ciclo, por falta de uso.
É verdade: já ouvi manifestações de desagrado das associações profissionais de Educação Física… só que sussurram entre dentes; já ouvi vozes discordantes oriundas de instituições de formação de professores de Educação Física… só que sabem a papel de música. São inócuas!
Para que não se pense que o problema da desqualificação da actividade docente atinge apenas profissionais de Educação Física, os profissionais dos grupos disciplinares de Música e Inglês, envolvidos no Programa de Generalização do Ensino do Inglês no 3.º e 4.º Anos e de Outras Actividades de Enriquecimento Curricular, têm motivos de indignação. As recomendações da Comissão de Acompanhamento do Programa são clarificadoras quando revelam: a necessidade de definição de regras relativas à remuneração, com a fixação de um valor mínimo por hora (esta recomendação decorre do conhecimento de casos aberrantes de exploração do trabalho docente… ora, o que pensar das notícias que dão conta da vontade do Governo em transferir outras competências para os municípios na área da educação?); a existência de "professores" que não possuem, efectivamente, a habilitação académica e profissional requerida.
Atendendo a que o individualismo faz escola na escola, e não é previsível que alguém se atreva a encetar uma luta particular contra este estado-de-coisas, pergunto se as estruturas associativas e as escolas formadoras de professores estão à espera que este Governo caia de podre.
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