20 de fevereiro de 2007

Federações de pais em luta pelo poder na Confap

“Há quem fale em “loucura”, outros dizem que é “pouco dignificante”. As várias federações regionais de associações de pais estão em guerra e os últimos dias têm sido de trocas de acusações entre dirigentes. Tudo por causa das eleições do próximo fim-de-semana para a Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).” [Correio da manhã ]
Pedro Silva (Escola Superior de Educação de Leiria) pergunta bem:
“Associações de pais ou para pais? […] o que são associações de pais? Por que existem? Para quem? Como desempenham o seu papel? Como são elas encaradas pelos outros actores sociais, nomeadamente os próprios pais, mas também os docentes e os discentes? E como encaram elas os outros actores? Que prioridades lhes conferem? Que formação têm os seus elementos? E os que com elas interagem? Estas são algumas das questões-bússola que poderiam despoletar um interessante programa de pesquisa. Na impossibilidade de encontrar respostas para elas neste espaço, aqui deixo algumas notas soltas.
Em primeiro lugar encaro as APs como organizações que podem desempenhar um importante papel cívico. Encaro-as numa perspectiva de potencial promoção da cidadania, de possível forma de participação dos cidadãos na coisa pública. Como um acto de exercício quotidiano de uma concepção não burocrática de democracia. Como uma forma de aprofundamento da democracia. Como uma via de articulação entre democracia representativa e democracia participativa. Como um meio de instituir uma relação não passiva e não autoritária entre o Estado e o cidadão. Como uma dimensão de actuação colectiva. Como enformando uma certa concepção de sociedade. Em suma, como um acto político.
Esta perspectiva e este leque de possibilidades não significa que eles se realizem. Sabemos que a realidade social é fértil em efeitos perversos. Considero que há, desde logo, uma confusão, de origem semântica. É que falar em associações de pais não significa que elas efectivamente desenvolvam actividades para os pais. Por outras palavras, não significa que os representem. Há uma diferença, que se pode revelar incomensurável, entre o ?de? e o ?para?. O que nos diz o termo ?associação de pais?? Apenas que estamos perante um grupo organizado de pais. Que pais? Pressupõe-se que os pais dos alunos daquela escola (ou agrupamento de escolas) (1). E os estatutos é normalmente para este tipo de definição de membro de AP que apontam. Daí a se pressupor que elas representam automaticamente o restante grupo de pais vai um passo que, não raras vezes, se revela ser de gigante.
Num estudo etnográfico a que já tenho feito referência (2) procurei analisar, entre outros aspectos, qual o papel desempenhado pelas associações de pais em duas das escolas onde conduzi a minha pesquisa (na terceira escola só no final do trabalho de campo é que se constituiu uma AP). Aí constatei que, num dos casos, a AP só desempenhava tarefas directamente para o corpo docente e a pedido deste, nunca representando os pais, mesmo aquando da emergência de problemas. Pelo contrário, no outro caso deparei-me com uma AP claramente autonomizada do corpo docente e que desenvolvia todo um conjunto de actividades para as crianças, para os pais e para as professoras, mas com uma prioridade de acordo com a ordenação aqui descrita. Estamos perante um daqueles casos em que não se pode tomar a nuvem por Juno. […]” [In: Jornal "a Página" nº 136]


“[...] A investigação empírica vai tornando cada vez mais claro que o ser dirigente associativo dos pais corresponde, grosso modo, a um “ofício” de classe média. Daqui podem decorrer sérios problemas acerca do modo de relacionamento entre uma AP e o respectivo grupo de pais que ela é suposta representar. As barreiras de ordem sociocultural são tão mais fortes e eficazes conquanto a sua existência não seja sequer reconhecida (por uns e por outros, mas em particular pelos que denotam uma maior capacidade de iniciativa: os dirigentes da AP). Assumindo que existe uma clivagem sociológica (Silva, 2003) na relação escola-família (em termos de classe social, de género e de etnia), este aspecto revela-se tão mais pertinente quanto estivermos perante grupos que apresentam uma distância cultural significativa face à cultura escolar.
Como se processa a interacção entre a direcção de uma AP (em regra constituída por elementos da classe média) e os pais de meios populares? E os de minorias étnicas e/ou linguísticas? Será que estamos perante uma relação “natural”, que ocorre livremente, sem qualquer espécie de barreiras? Será que a condição de pais é suficiente para esbater todo e qualquer obstáculo? Sabemos, por exemplo, que não existem grupos étnicos homogéneos, apesar de eles tenderem a ser assim mitificados pelos “outros”.
Se tivermos em conta que as relações entre culturas são também relações de poder – por onde perpassam as desigualdades sociais, de índole económica, política ou outra (cf, por exemplo, Stoer e Cortesão, 1999; Wieviorka, 2002; Silva, 2003) – entendemos que o modo como o papel de uma AP é interpretado por quem a dirige pode contribuir quer para reproduzir desigualdades sociais, quer para as atenuar. […]” [In: Jornal "a Página" nº148]


[o destacado é meu]

Sem comentários: