Porque rejeitamos um estatuto com conteúdos que sempre defendemos?
As associações profissionais de professores, interlocutores do ME formalmente constituídos para as questões cientifico-pedagógicas, e apenas para estas, defendem há anos grandes mudanças na formação e na avaliação dos professores. Perante a proposta do ME do novo ECD, como é que o desejável se tornou inaceitável?
O conceito de escola – Apesar de sermos favoráveis a uma ocupação formadora dos tempos dos alunos ocasionalmente libertados por ausência de alguns professores, a noção de escola-depósito de alunos, onde convém permanecer o maior número de horas, merece o nosso desacordo pela sobrecarga ocupacional de todos, pela incapacidade de todas as escolas proporem actividades enriquecedoras e pela consequente fadiga mental de uns e de outros. Fica ainda a perder em tempo e em qualidade o trabalho individual que terá sempre de ser realizado em casa de cada um. Realmente, o que interessa é dotar as escolas de espaços e recursos que possibilitem a realização por alunos e professores, numa interacção rentável, de actividades ricas, independentemente de serem desenvolvidas dentro ou fora das aulas curriculares.
O conceito de aula – Uma aula não existe fora da relação – que é única – entre um professor e os seus alunos, pois só ele sabe quando e como deve valorizar tal ou tal etapa do desenvolvimento de uma competência, pois só ele é conhecedor desse processo, com os seus pequenos ou grandes sucessos, com os seus obstáculos. Igualmente pessoal é um plano de aula. Que o professor que falte deixe ao seu substituto propostas de actividades de reforço das aprendizagens, é de toda a conveniência. Deixar o plano da aula, que é um percurso de ensino em princípio desenhado para entendimento do próprio professor e não para ser comunicado a terceiros (a não ser em situações particulares, como o acompanhamento de professores em formação), exige um trabalho suplementar de adaptação da linguagem e de explicações detalhadas de estratégias e actividades que não estamos certos de que o substituto domine da mesma forma, além do tempo acrescido que exige. Quando igualmente se sugere ou se manda que professores com horário zero corrijam trabalhos de avaliação de alunos de outros professores, está patente o desconhecimento de que a avaliação de cariz formativo não é um exame, elaborado, aferido, executado e corrigido com critérios que intencionalmente se destinam a correctores que desconhecem os examinandos.
O conceito de professor – Somos (des)considerados agentes não pensantes, sobre cujo trabalho, agora legalmente espartilhado, todos podem emitir opinião e a quem se quer roubar o que é peculiar e distintivo da profissão.
O conceito de formação de professores – O direito a faltas justificadas apenas para a formação contínua oferecida por organismos da tutela, relegando para fora do horário escolar (que já ocupa a maior parte do dia dos professores), para as férias ou fins-de-semana a frequência de formações organizadas por outras instituições, algumas propostas pelas suas respectivas associações profissionais, é um evidente cercear da liberdade de um profissional que se pretende responsável. Um professor tem de facto a obrigação de se formar para responder às necessidades da sua escola (e será que oferta do ME é capaz de lhes dar resposta?!), mas deve ter o direito de poder escolher o programa de formação que lhe interesse ou mais se lhe adeqúe, desde que ligado à sua especialidade. Nesta conformidade, o ECD esquece que os professores podem usufruir de actividades ou participar em projectos internacionais integrados em programas da União Europeia, que decorrem muitos deles em tempo de aulas.
O conceito de avaliação – Classificar! Punir! Nunca formar! É o que consta da proposta de ECD. As associações de professores sempre defenderam a existência de um dispositivo sério e rigoroso de formação e de avaliação do desempenho de cada professor.
Nesse dispositivo a tónica seria posta na auto-avaliação e na observação de aulas por colegas da escola e um avaliador externo, sempre com a possibilidade de se dar um tempo ao professor avaliado para melhorar e passar por uma segunda fase da sua avaliação. O que temos no ECD são o coordenador do departamento, o presidente do conselho executivo e uma comissão de coordenação de avaliação do desempenho a dizerem se o professor é Insuficiente, Regular, Bom, Muito Bom ou Excelente, sem haver uma hipótese de refazer o percurso. E que formação terão esses colegas, inevitavelmente numerosos, para garantirem esse processo? Como serão preparados para avaliadores, função que não prescinde de conhecimentos profundos e actualizados de metodologias pedagógicas e didácticas, de um grande, objectivo e rigoroso treino de observação de práticas lectivas diversificadas, da capacidade de distinguir o essencial do acessório no leque riquíssimo que é o trabalho dum professor, que não prescinde, enfim, de uma personalidade bem estruturada e isenta que não vacile em matéria tão delicada?
Relativamente às cotas para acesso às classificações de Muito Bom e Excelente, elas merecem igualmente o nosso desacordo. Se o sistema de avaliação for sério, isento e rigoroso, as classificações máximas não serão naturalmente numerosas. Para quê acrescentar mais critérios burocráticos e alheios à qualidade do desempenho de cada um?
Face ao exposto, as associações de professores abaixo-assinadas manifestam a sua discordância.
Lisboa, 20 de Novembro de 2006
Associações subscritoras:
ANPEE, Associação Nacional de Professores de Electrotecnia e Electrónica
APEDI, Associação de Professores para a Educação Intercultural
APEVT, Associação de Professores de Educação Visual e Tecnológica
APG, Associação de Professores de Geografia
APH, Associação de Professores de História
APM, Associação de Professores de Matemática
APP, Associação de Professores de Português
APPA, Associação Portuguesa de Professores de Alemão
APPF, Associação Portuguesa de Professores de Francês
APROCES, Associação de Professores de Ciências Económico-Sociais
CNAPEF, Conselho Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Física
In: CRIAP-ASA S@ ber nº 32 - 1 de Dezembro de 2006
Espero que esta declaração esclareça todos aqueles que consideravam que o problema do ECD se restringia a um diferendo laboral entre sindicatos e patronato.
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