1 de setembro de 2006

Rousseau e a crise do modo de pensar a educação…

Cartografia do debate

Depois do livrinho do Nuno Crato ter colocado no top dos lugares comuns o termo “eduquês” que foi, salvo erro, proferido pela primeira vez pelo ex-ministro da educação Marçal Grilo, tem varrido a blogosfera uma onda de anti-eduqueses críticos do(s) pensamento(s) de Rousseau. Não importa discernir as motivações e os interesses que os movem nas suas batalhas, mas interessa aclarar o debate e reafirmar que os discursos são bafientos e que esta discussão é um refluxo de uma discussão iniciada por Filomena Mónica em 1997, prolongada depois no Público por José Manuel Fernandes. Essa discussão, que envolveu muitos articulistas consagrados, motivou a edição de dois pequenos livros, editados pela Profedições, do António Margalhães e do saudoso Stephen Stoer.
Como os discursos anti-eduqueses escolheram como alvo a abater Rousseau e as Ciências da Educação, nada melhor do que deixar aqui o contraditório, escrito por estes dois autores que se dizem “Orgulhosamente Filhos de Rousseau” [1998, profedições, esgotado].

Observem como esta pergunta continua actual:
"O que é que estará a acontecer na ordem social portuguesa para que, no que diz respeito à educação e ao sistema educativo, vozes mais ou menos autorizadas se levantem contra a influência de Rousseau? Na verdade, parece ter-se criado um consenso acerca da culpa e dos culpados dos problemas do nosso sistema educativo:
Rousseau e os seus sequazes.
As ideias que os apóstolos de Rousseau seguiriam e com que teriam envenenado todo o sistema e respectiva orientação política seriam: a) a assunção de que o centro do processo de ensino-aprendizagem são as crianças e os jovens e não o corpo do saber a ensinar; b) que o processo deve ser adequado às características afectivas e gnosiológicas destes; e c) que o ensino deve ser articulado e articular processos de aprendizagem, ser, em suma, ensino--aprendizagem.
Contudo, os protagonistas dos ataques aos filhos de Rousseau, não se ficam por aqui. J. M. Fernandes (JMF), na esteira de Filomena Mónica, avança que a nefasta influência do filho do relojoeiro de Genebra promove uma «desresponsabilização geral» que «é corolário lógico de uma "democracia de base" que toma cada estabelecimento de ensino numa espécie de comuna autogerida que não presta contas a ninguém» (Público, 22 de Dezembro).
Retoricamente irado, JMF diz que tudo isto está errado, porque «a democracia é o império da lei» (ibid.).
De facto, tudo é cozinhado numa retórica de "murro na mesa", de "basta", que impressionará os mais distraídos, mas que deve consistir em objecto de reflexão. É que a questão que é obnubilada é esta: as políticas educativas são construídas num espaço plural de forças, poderes e influências em que o contexto académico, do Estado e dos grupos de trabalho entretecem lógicas díspares e múltiplas, impossíveis de unificar num só vector teórico e político.
Por isso, a posição de "murro na mesa" é caceteirismo teórico, porque pouco subtil, pouco dada à captação das diferenças, dos matizes (veja-se a controvérsia gerada sobre o caso dos "currículos alternativos"). Na verdade, a autogestão comunal que as escolas praticariam, nas palavras de JMF, é uma flor retórica bem grosseira, pois qualquer aluno, qualquer professor, qualquer auxiliar da acção educativa, por mais distraídos, sabem que isso é um disparate.
Mas, e essa é a força da retórica e dos meios de comunicação social, pode ser transformado em verdade, em facto, em prova contra os filhos de Rousseau."
[pp. 31-32]

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