28 de fevereiro de 2006

A escola a tempo inteiro disfarça a ausência de educação a tempo inteiro!

O artigo de opinião de Vital Moreira (VM) [Público POL nº 5816 | Terça, 28 de Fevereiro de 2006 – serviço reservado a assinantes] vem exaltar as medidas governativas que foram denominadas junto da opinião pública por “Escola a tempo inteiro”.
Considera VM que:
“[…] O primeiro sucesso foi o de colocar a educação e a escola no centro da agenda política governamental e da discussão pública, o que é um prodígio num clima obsessivamente dominado pelos temas do défice orçamental, da crise económica e do pessimismo social. O segundo êxito é o aplauso generalizado que as medidas governativas nesta área têm suscitado na opinião pública (com as excepções previsíveis). São várias as razões para esse duplo êxito: atacar os problemas concretos, tal como sentidos pelas pessoas; avançar com soluções praticáveis e coerentes; colocar os utentes, e não os profissionais, no centro das preocupações; revelar coragem e determinação em levar de vencida as resistências corporativas e os interesses estabelecidos.”
Estará a educação e a escola no centro da agenda política governamental e da discussão pública? Não estaremos a confundir problemas escolares com problemas educativos? Não estaremos a confundir opinião pública com opinião publicada? Os efeitos da opinião publicada na opinião pública são conhecidos; Para além das produções discursivas apresentadas na imprensa e nos mass media por observadores e analistas políticos generalistas e com grandes audiências, quem é que intervém nesta discussão? Não será uma prova de miopia analítica desprezar o contributo da investigação das realidades socioculturais ao afastar dos órgãos de comunicação social e da discussão pública os verdadeiros especialistas em educação?
Serão merecedoras de aplauso as medidas governativas que resultaram numa campanha populista de imolação da credibilidade dos profissionais da educação [cuja resistência será sempre entendida como uma resistência corporativa mesmo que essa resistência seja motivada por outra razões, nomeadamente, o seu entendimento do que é o interesse e o bem das crianças e jovens], sob a bandeira da eficiência, coragem e acerto das medidas?

Serão demasiadas perguntas que confluem numa resposta: O aplauso generalizado que as medidas governativas nesta área têm suscitado na opinião pública deve-se, unicamente, à argúcia política deste governo, potenciada pelo namoro aceso com a comunicação social e não pela substância das próprias medidas.

“A escola a tempo inteiro” é uma retórica dos políticos e de muitos comentadores “especialistas em generalidades” que procuram a legitimação de certas escolhas políticas utilizando argumentos científicos [das ciências humanas e sociais] e que tentam disfarçar a supremacia das políticas economicistas. Os critérios para a constituição de turmas, a rigidez da gestão do crédito horário dos professores pelas escolas, são dois exemplos inequívocos que colocam no centro da decisão política os interesses económicos e não o interesse dos alunos.
A retórica “A escola a tempo inteiro” serve para ocultar o défice de “Educação a tempo inteiro” do nosso modelo de organização política e social. A apropriação perversa nos discursos políticos do discurso científico faz-me desconfiar da credibilidade das visões monocromáticas que defendem o interesse e o bem dos utentes [não gosto do termo aplicado à educação… mas percebo a oportunidade da utilização], ou seja, as crianças e jovens; da arrogância ideológica que considera a singularidade do interesse e do bem dos utentes; da sobredeterminação ideológica em detrimento do conhecimento factual; das corporações de arautos do bem comum.

Como dizia uma estimada colega: “Eles não brincam em serviço... e nós não podemos dormir em serviço... ou isto vai acabar muito mal.”

Adenda:
Aconselho vivamente a leitura deste texto no crackdown.

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