3 de outubro de 2005

Tecnocracia.

1 – Do mesmo…
O tempo de preparação pode ser definido como o tempo que os professores gastam fora das salas de aula e o seu uso tem gerado acesas discussões, dentro e fora das escolas.
O grande público não compreende muito bem para que é que serve o tempo de preparação. Mesmo as pessoas mais próximas dos professores, amigos e familiares, desconhecem o que se faz neste tempo e quais os benefícios para a função docente. Há quem considere o uso do tempo de preparação uma regalia injustificada e não é por acaso que os políticos e tecnocratas o transformaram num alvo apetecível de controlo do trabalho docente.
Opinião contrária é a da maioria dos professores. Argumenta-se que o tempo de preparação é essencial e influencia, inquestionavelmente, a qualidade na educação para as crianças e jovens. Funciona como um contrapeso ao processo de intensificação e parece contribuir de forma a inverter a sua espiral.
O tempo de preparação não sendo nenhuma panaceia limita-se a oferecer oportunidades. Por um lado, apela às culturas de colaboração, ao combate ao individualismo e a um conjunto de oportunidades de utilização deste tempo para os docentes se reunirem, planificarem, ajudarem-se uns aos outros e discutirem questões durante o dia escolar normal e promoverem um trabalho mais criativo. O objectivo da utilização deste tempo é contrariar os efeitos da intensificação do trabalho. Por outro lado, as perversidades do tempo de preparação nem sempre conduzem a acréscimos no tempo de preparação. Efectivamente, nem sempre os fins a que se destina o tempo de preparação são os desejados pelos seus defensores. Os aumentos de tempo de preparação reduzem a qualidade do trabalho quando os professores são afastados das suas turmas para se dedicarem a outras áreas de trabalho. Um aspecto que constitui uma perversidade e que coarcta o potencial do tempo de preparação é o incremento de reuniões e de tarefas de teor administrativo numa lógica de colaboração artificial intensificando ainda mais o trabalho do professor.

2 – Mais do mesmo…
As recentes medidas coercivas tomadas pelo executivo sobre o tempo dos professores, aliás muito bem preparadas pela comunicação social, aparecem à opinião pública apoiadas por um argumento que seria, garantidamente, bem acolhido por todos: requalificar o tempo de permanência do aluno na escola com actividades educativas. Ora, o que não foi explicado é que essas actividades podiam ter entrado no tempo lectivo do professor se houvesse uma intenção genuína da administração em garantir projectos de qualidade para a ocupação do tempo livre do aluno. O que aconteceu, na verdade, foi uma operação política bem engendrada que visou unicamente reduzir a despesa no sector: Menos professores para o mesmo trabalho.

Atente-se como se procurou explorar a questão da perversidade do tempo de preparação para garantir a anuência da comunicação social tendencialmente hostil ao trabalho docente. Os representantes das associações de pais preferiram remeter-se a um silêncio comprometedor como se a questão da intensificação do trabalho docente não existisse.

E a reacção dos sindicatos?
Os sindicatos têm demonstrado uma inoperância, sofrida, motivada pela crise profunda em que se encontra o movimento sindical. A ideia que passa nas escolas é que não existe estratégia de modernização da estrutura sindical e que o tempo acentua uma eventual falta de representatividade. Por analogia é possível dizer-se que a descrença dos professores nos sindicatos é a descrença dos cidadãos nos seus representantes políticos.

E a reacção dos professores?
A partir da blogosfera é possível perceber o ambiente que grassa na escola. A indignação é generalizada devido à indiferença da tutela pelos problemas dos docentes. E da indignação à radicalização dos discursos foi um passo acelerado. Fizeram-se contas ao tempo gasto no trabalho de preparação e não faltaram promessas de cumprimento zeloso do horário estipulado. Receio que o engodo lançado pela administração sirva para funcionalizar ainda mais o trabalho docente. Espero que os docentes percebam que o que está em jogo é uma tentativa de transformar o professor num operário da educação, cada vez menos qualificado, cada vez mais tecnocrata. Como consequência desta metamorfose, o ofício de ser professor está, efectivamente, em risco de extinção.

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