5 de outubro de 2005

[Ex]citação.

Evoco Perrenoud depois da minha análise sobre o tempo do professor ter desembocado na ideia de que o ofício de professor, tal e qual o conhecemos, pode estar em risco de extinção.

“[..] Em que sentido queremos fazer evoluir o ofício de professor? No sentido de uma autonomia profissional acrescida e reconhecida com a contrapartida de uma maior responsabilidade? Ou para a multiplicação de prescrições e controlos?
[…]
Uma "proletarização" moderna espreita o professorado em todos os países onde a explosão de serviços especializados em didáctica, em avaliação e em tecnologia tem permitido uma produção prescritiva cada vez mais rica. Os instrumentos estão ao alcance da mão, a tentação é forte para multiplicar grelhas, sequências, esquemas. Nada nos diz que todos os países irão resistir a essa tenção e caminhar para a profissionalização do ofício de professor.
De resto, não é certo que toda a gente tenha interesse nisso: a profissionalização aumenta as responsabilidades, mas também a autonomia dos docentes; pode, por isso, enfraquecer o poder que sobre eles pretendem exercer tanto os quadros como os membros da noosfera, uns em nome dos textos oficiais, outros em nome dos saberes propriamente ditos. Este poder, já se viu, é largamente ilusório, mas a ilusão basta para alguns e é mais fácil e habitual prescrever do que levar a cabo e suscitar a reflexão. Tendo em vista a proliferação dos especialistas, a tendência dominante pode ser de aumentar as prescrições, os controlos, a regulamentação e de burocratizar um pouco mais o sistema.
Para lutar contra esta tendência, é necessário dar prioridade à evolução progressiva e global do ofício. Far-se-á tanto mais voluntariamente o luto de uma hipertrofia das prescrições quanto nos dermos conta de que não temos meios de as combinar num controlo perfeito ou que não temos â coragem de enfrentar as tensões que suscitarão.
Apostar no desenvolvimento de saberes partilhados, na construção de competências profissionais mais concisas, na prática reflexiva, no trabalho sobre a ética e as finalidades é também ser coerente com os paradigmas que pretendem orientar o desenvolvimento da educação escolar: sócio-construtivismo, educação para a cidadania, tomada de consciência da relação com o saber, formação de competências, autonomização do sujeito, etc.
É preciso, no entanto, ter em conta que a profissionalização não terá efeito senão a médio prazo, que nada de decisivo se fará num ano, nem mesmo em cinco. Colocar o assunto da pilotagem nesta perspectiva a médio prazo, leva a abandonar o forcing para impor ideias ou dispositivos isolados - módulos, percursos diversificados, ajuda metodológica, projecto pessoal do aluno - para dar prioridade à formação contínua das pessoas, aos projectos escolares, aos processos de inovação endógenos, às disposições que facilitam a cooperação e a prática reflexiva.
É, evidentemente, uma estratégia fundada numa aposta e em valores. Cada um tem o direito de desenvolver uma visão da pilotagem pela acumulação de prescrições. Se formos nesse sentido, no entanto, o mínimo que poderemos fazer é fazê-Io seriamente, velar para que as prescrições sejam realistas, não contraditórias, inteligíveis, credíveis, apoiadas pelos diferentes actores. E de activar um sistema de controlo eficaz.
Desenvolver a profissionalização ou pilotar as práticas, aumentando a parte prescrita do trabalho de ensino? A maioria dos sistemas mantém vivas essas duas alternativas e evita fazer uma opção. Se bem que, de decénio em decénio, se organizam colóquios para lamentar a impossibilidade de pilotar verdadeiramente as práticas pedagógicas...
Quanto a mim, escolhi o meu campo e não tenho nenhuma intenção de contribuir para uma engenharia da prescrição e do controlo. Isto não significa que, como pesquisador, não esteja pronto a defender qualquer prática pedagógica. Mas não pretendo que as práticas mais prometedoras sejam impostas por uma pilotagem burocrática. As práticas só terão sentido e eficácia se forem livremente escolhidas, na base de um raciocínio profissional e de uma reflexão ética que ninguém pode decretar. Mas, também, de saberes partilhados.” pp. (77-78)

Philippe Perrenoud (2002). Aprender a negociar a mudança em educação.

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