5 de novembro de 2007

A avaliação formativa alternativa

Sublinhando uma ideia da Isabel em comentário ao texto anterior, em cada geração de avaliação há uma preocupação em incorporar os aspectos positivos da geração precedente e superar as limitações detectadas. A avaliação formativa alternativa é uma forma de avaliação que se configura como alternativa à avaliação que Guba & Lincoln caracterizam nas três primeiras gerações.

“Alguns autores (e.g., Gipps, 1994; Gipps & Stobart, 2003) designam por avaliação alternativa a avaliação que se baseia em princípios que decorrem do cognitivismo, do construtivismo, da psicologia social e das teorias socioculturais e sociocognitivas. Trata-se de uma avaliação mais humanizada, mais situada nos contextos vividos por professores e alunos, mais centrada na regulação e melhoria das aprendizagens, mais participada, mais transparente e integrada nos processos de ensino e de aprendizagem. Ou seja, uma avaliação que é eminentemente formativa nas suas formas e nos seus conteúdos.
Outros autores falam-nos de avaliação autêntica como é, por exemplo, o caso de Tellez (1996), de Wiggins (1988a, 1988b, 1989a, 1989b e 1998) e mesmo de Perrenoud (2001), de avaliação contextualizada (Berlak, 1992a, 1992b), de avaliação formadora (Nunziati, 1990; Abrecht, 1991), de avaliação reguladora (Allal, 1986; Perrenoud, 1988a, 1991), de regulação controlada dos processos de aprendizagem (Perrenoud, 1998) ou de avaliação educativa (Gipps, 1994; Gipps & Stobart, 2003; Wiggins, 1998).
Independentemente de ênfases particulares inerentes a cada uma destas designações que, naturalmente, são o resultado das elaborações e referências teóricas e concepções dos seus autores, todas elas acabam por designar uma avaliação mais orientada para melhorar as aprendizagens do que para as classificar, intrinsecamente associada ao ensino e à aprendizagem, devidamente contextualizada e em que os alunos têm um papel relevante a desempenhar.
[…]
No entanto, nenhuma delas tem a ver com a avaliação formativa de inspiração behaviorista cuja concepção é muito mais restrita e quase limitada à verificação da consecução de objectivos comportamentais e às consequentes actividades de remediação ou de consolidação.
Allal (1986) caracterizou aquele tipo de avaliação formativa referindo que dava origem a uma regulação retroactiva das aprendizagens, já que as dificuldades dos alunos não são detectadas durante, mas sim após o processo de ensino-aprendizagem, normalmente através do chamado teste formativo também conhecido como o que não conta para a nota. Investigações recentes sugerem que este tipo de avaliação formativa, geralmente pontual, pouco ou nada interactiva, exigindo pouca participação dos alunos e orientada para a verificação da consecução de objectivos comportamentais de reduzida exigência cognitiva, é o que ainda vai prevalecendo nos sistemas educativos (e.g., Black & Wiliam, 1998a; Dwyer, 1998; Harlen & James, 1998).
Por esta razão, parece-me que a designação Avaliação Formativa Alternativa (AFA) é mais adequada do que simplesmente Avaliação Alternativa ou do que qualquer uma das outras as designações porque, efectivamente, o que tem vindo a ser construído teoricamente e que se pretende pôr em prática é precisamente uma alternativa à avaliação formativa com as características genéricas que acima indiquei e não a uma avaliação genérica qualquer. Esta é uma questão essencial para que se possa perceber que precisamos de continuar a construir teoricamente e de pôr em prática uma avaliação formativa alternativa àquela que habitualmente designamos, embora desapropriadamente, por avaliação formativa.
A avaliação formativa alternativa é uma construção social complexa, um processo eminentemente pedagógico, plenamente integrado no ensino e na aprendizagem, deliberado, interactivo, cuja principal função é a de regular e de melhorar as aprendizagens alunos.
[…]
A avaliação formativa alternativa deve permitir conhecer bem os saberes, as atitudes, as capacidades e o estádio de desenvolvimento dos alunos, ao mesmo tempo que fornece indicações claras acerca do que é necessário fazer a seguir. No caso de ser necessário corrigir algo ou de melhorar as aprendizagens, torna-se imperativo que professores e alunos tenham ideias aproximadas acerca da qualidade do que se pretende alcançar. Consequentemente, o passo seguinte é o de regular a qualidade do trabalho que está a ser desenvolvido, utilizando, nomeadamente, um conjunto de recursos cognitivos e metacognitivos que ajudem a eliminar qualquer eventual distância entre o que se conseguiu obter e o que se pretende obter.
[…]
Para complementar o quadro já traçado da natureza e funções da avaliação formativa alternativa, parece-me oportuno sistematizar algumas das suas características mais relevantes:
  • a avaliação é deliberadamente organizada para proporcionar um feedback inteligente e de elevada qualidade tendo em vista melhorar as aprendizagens dos alunos;
  • o feedback é determinante para activar os processos cognitivos e metacognitivos dos alunos, que, por sua vez, regulam e controlam os processos de aprendizagem, assim como para melhorar a sua motivação e auto-estima;
  • a natureza da interacção e da comunicação entre professores e alunos é absolutamente central porque os professores têm de estabelecer pontes entre o que se considera ser importante aprender e o complexo mundo dos alunos (o que eles são, o que sabem, como pensam, como aprendem, o que sentem, como sentem, etc.);
  • os alunos são deliberada, activa e sistematicamente envolvidos no processo do ensino-aprendizagem, responsabilizando-se pelas suas aprendizagens e tendo amplas oportunidades para elaborarem as suas respostas e para partilharem o que, e como, compreenderam;
  • as tarefas propostas aos alunos que, desejavelmente, são simultaneamente de ensino, de avaliação e de aprendizagem, são criteriosamente seleccionadas e diversificadas, representam os domínios estruturantes do currículo e activam os processos mais complexos do pensamento (e.g., analisar, sintetizar, avaliar, relacionar, integrar, seleccionar);
  • as tarefas reflectem uma estreita relação entre as didácticas específicas das disciplinas, que se constituem como elementos de referência indispensáveis, e a avaliação, que tem um papel relevante na regulação dos processos de aprendizagem;
  • o ambiente de avaliação das salas de aula induz uma cultura positiva de sucesso baseada no princípio de que todos os alunos podem aprender.
Em suma, é uma avaliação formativa com este tipo de características que é necessário desenvolver nas salas de aula e que, de acordo com os resultados da investigação, poderá permitir melhorar significativamente as aprendizagens dos alunos (e.g., Black & Wiliam, 1998a, 1998b; Shepard, 2001; Stiggins, 2002; Stiggins, 2004). Trata-se de uma avaliação para as aprendizagens, no sentido em que deve contribuir inequivocamente para a sua melhoria com a participação activa dos alunos.
Ora, o que acontece muitas vezes é que o feedback ou a informação proporcionada não conduz a nenhuma acção, ou conjunto de acções, que elimine a diferença entre o que se pretende alcançar e o que efectivamente se alcançou. Nestes casos não estamos em presença de qualquer avaliação formativa nem de qualquer feedback formativo. Estaremos em presença de uma avaliação de natureza sumativa ou certificativa, correspondendo a uma prática pobre orientada para a atribuição de classificações. De facto, a investigação sugere que, em geral, as práticas de avaliação nas salas de aula são relativamente pobres, possuem uma diversidade de insuficiências, havendo problemas vários que precisam de esclarecimento (e.g., Black & Wiliam, 1998a, 1998b; Boavida, 1996; Dwyer, 1998; Fernan¬des et al., 1996; Gil, 1997; Harlen & James, 1997; Jorro, 2000; Stiggins & Conklin, 1992; Stiggins, 2002, 2004). Vejamos alguns exemplos:
  • a convicção por parte de muitos professores de que, através dos testes, estão a avaliar aprendizagens profundas, com compreensão, quando a investigação sugere que o que se está realmente a testar são, de modo geral, mais os procedimentos rotineiros e algorítmicos e menos as competências no domínio da resolução de problemas;
  • a correcção e a classificação de testes e de quaisquer outras tarefas avaliativas dão, em geral, poucas ou nenhumas orientações aos alunos para melhorar, reforçando as suas baixas expectativas e o baixo nível das aprendizagens;
  • a tendência para se pensar que a avaliação desenvolvida pelos professores nas sa¬las de aula é de natureza essencialmente formativa, apesar da análise da realidade ter vindo a demonstrar que muito poucas vezes será assim;
  • a avaliação formativa, tal como recomendada na literatura, é por muitos considerada irrealista nos contextos das escolas e das salas de aula e as suas diferenças com a avaliação sumativa e certificativa são cada vez mais ténues;
  • a confusão entre a avaliação formativa e a avaliação certificativa ou sumativa é um problema que parece indiciar que existirão poucas práticas de avaliação genuinamente formativa e/ou que os professores estão submersos em demasiadas avaliações para responder às exigências de ambas;
  • a função certificativa e classificativa da avaliação, a atribuição de notas, está claramente sobrevalorizada em detrimento da função destinada a analisar o trabalho dos alunos para identificar necessidades e para melhorar as aprendizagens;
  • a tendência, particularmente ao nível do ensino básico, para solicitar aos alunos uma quantidade, por vezes exagerada, de trabalhos, descuidando a sua qualidade e a sua relação com o desenvolvimento dos processos mais complexos de pensamento dos alunos;
  • a tendência para comparar os alunos entre si, levando-os a crer que um dos propósitos principais da aprendizagem é a competição em vez do crescimento pessoal. Nestas condições, o feedback avaliativo acaba por reforçar junto dos alunos com mais dificuldades a ideia de que não são competentes, levando-os a crer que não são capazes.
[…]
A avaliação que se faz no dia-a-dia das salas de aula, talvez nunca seja demais dizê-lo, não é uma mera questão técnica, não é uma mera questão de construção e de utilização de instrumentos, nem um complicado exercício de encaixar conhecimentos, capacidades, atitudes ou motivações dos alunos numa qualquer categoria de uma qualquer taxonomia. De facto, é muito questionável considerar que as taxonomias, sejam elas quais forem, possam ter em devida conta a imprevisibilidade do funcionamento cognitivo das pessoas. Normalmente, são estruturas hierarquizadas e compartimentadas, características que não parecem ser compagináveis com o que hoje sabemos acerca das formas como os alunos aprendem e raciocinam. Podem ter o mérito de nos ajudar a ter uma visão mais ou menos organizada de certos estilos de pensamento, mas é difícil reconhecermos a sua relevância e mesmo a sua utilidade no processo de avaliação. A sua utilização, na prática, por parte dos professores não é propriamente simples nem viável. Os professores transformar-se-iam numa espécie de técnicos especializados na utilização de taxonomias ou em autênticos burocratas da avaliação. Ora, como temos vindo a constatar, a avaliação nas salas de aula e, muito particularmente, a avaliação formativa alternativa, não deve ser confinada a estes enredos mais ou menos tecnocráticos. Não, a avaliação é uma construção social, é um processo desenvolvido por e para seres humanos, que envolve valores morais e éticos, juízos e questões de natureza sociocultural, psicológica e também política. Todo o tempo é pouco para que os professores se possam dedicar ao essencial: ajudar os alunos a desenvolver as suas aprendizagens.
Apesar da inexistência de uma teoria solidamente alicerçada, parece-me evidente que há, como vimos, um substancial corpo teórico que tem informado e que irá continuar a informar práticas de avaliação formativa destinadas a melhorar as aprendizagens. Não podemos, como é óbvio, esperar pela chegada mais ou menos triunfal da teoria para avaliar melhor. A teoria constrói-se através da nossa interacção com as realidades educativas, da construção e reconstrução de investigações empíricas que vamos empreendendo, das análises que formos sendo capazes de realizar e das integrações e relações conceptuais que descobrirmos e interpretarmos. E, além disso, não esqueçamos, há alunos, há professores, há escolas e há um sistema educativo que não pode parar e que queremos alterar para que funcione melhor.”


[o bold é meu]

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