17 de dezembro de 2005

Maniqueísmos

A recente posição discordante da Associação de Professores de Português (APP) sobre o recuo do ME em manter a obrigatoriedade do exame nacional à disciplina em todos os cursos gerais do 12º ano, recupera o “velho” tema da avaliação externa [e o exame é apenas um dos instrumentos de avaliação]. Repetem-se os mesmos argumentos, prós e contras, sempre escassos para fazer alguém mudar de opinião.
A resistência aos exames que é revelada nos diversos comentários e textos que vou produzindo, decorre do facto de considerar que na tensão entre as desvantagens e as vantagens dos exames, as desvantagens têm mais força. Observemos vantagens e desvantagens dos exames.
Recorrendo a um especialista em educação [creio que os defensores da tese pró-exame não consideram o Professor Domingos Fernandes um especialista em “eduquez”], vejamos as possibilidades que decorrem da realização dos exames.
Das vantagens vislumbram-se as seguintes possibilidades:
1. Exercer um efeito moderador importante nas avaliações internas.
2. Induzir práticas inovadoras de ensino e de avaliação. [Ainda não consegui perceber de que modo é que os exames induzem a inovação. Pelo que me é dado observar noto uma estéril reprodução de práticas de ensino configuradas pelas provas modelo de exame…]
3. Contribuir para avaliar o sistema educativo e ajudar a melhorar a tomada de decisões a todos os níveis.
4. Alertar as escolas para a necessidade de melhorarem os seus projectos educativos. [Isto é, o que as escolas têm de fazer é elaborar projectos educativos à medida das expectativas do administrador, do ME, e não e função dos interesses comunitários. Há uma grande contradição nos discursos oficiais…]
5. Dar indicações úteis às escolas, aos professores e aos alunos acerca do que é importante ensinar e aprender. [Está aqui a razão pela qual nestes 135 anos de governo da educação dos portugueses só três ministros lograram completar uma legislatura]

Por outro lado, os exames também possuem desvantagens que não é possível ignorar:
1. Centram-se sobretudo nos conhecimentos académicos, prestando relativamente pouca atenção a competências úteis, relacionadas com a vida real.
2. Condicionam os objectivos, as estratégias, o envolvimento e as atitudes dos alunos em relação às aprendizagens, nem sempre pelas melhores razões. Exames que usam perguntas objectivas e de resposta curta tendem a deixar de avaliar aprendizagens consideradas fundamentais, como é o caso da resolução de problemas.
3. Podem induzir práticas fraudulentas. Trata-se de uma questão séria em muitos países, onde a corrupção, a compra de cópias de enunciados de exames, a substituição de alunos sujeitos aos exames ou a cumplicidade entre professores vigilantes e examinandos são práticas que acontecem com mais ou menos frequência. [Creio que este argumento também pode ser usado para a avaliação interna]
4. Podem induzir as escolas a concentrarem os seus esforços nos alunos que têm mais possibilidades de ter sucesso nos exames.
5. Podem discriminar, em vez de integrar, alunos. Particularmente no que se refere a certos grupos pertencentes a minorias de qualquer natureza.

É frequente ouvir dizer que os professores que colocam obstáculos à realização dos exames fazem-no por receio ou por alguma inquietação, que advém de pretensos maus resultados dos alunos, resultados esses que reflectirão más práticas de ensino. A meu ver, estas afirmações são maniqueístas e demagógicas e que para serem levadas a sério teriam de considerar a avaliação aferida como uma outra forma de se obter informação de qualidade sobre o sistema apoiando, de igual modo, decisões políticas e administrativas, e dispensando, desta forma, a realização dos exames.
Por outro lado, há a questão da eficácia. É que se for provado que através dos exames é possível determinar os maus desempenhos dos professores, não percebo a razão pela qual se deixam impunes os prevaricadores que, ao longo de tantos anos [de exames e de maus resultados], se fartam de enganar alunos.
É caso para dizer: Estão à espera de quê?

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