5 de dezembro de 2005

Destaque na imprensa...

Recebi alguns pedidos para divulgar as opiniões dos três especialistas consultados pelo Público e que foram referenciadas na entrada anterior.
Então aqui vai…

"EDUCAÇÃO POLÍTICA PRECISA-SE (Público 3/12/2005)

Há um grande vazio na definição da política da educação em Portugal. A ideia é comum a Ana Benavente, João Barroso e Roberto Carneiro. Depois das grandes reformas dos anos 80, parece ter-se perdido a dimensão ideológica do debate educativo, centrando-se este mais em pequenas medidas de cariz técnico. O que preocupa os investigadores, que partilham uma visão comum do que as escolas do ensino básico e secundário necessitam para responderem aos desafios que lhe são propostos: uma grande dose de autonomia, algo que o poder político continua a recusar-lhes. Por Leonete Botelho

Aescola pública, tal como hoje existe no país, não tem projecto nem tem futuro. Mas isso não quer dizer que deva estar condenada ao desaparecimento, antes pelo contrário: ela pode e deve ser "refundada", pode e deve apostar num projecto próprio e evoluir no sentido de uma real autonomia - pedagógica, administrativa e financeira -, diferenciando a oferta pública, acolhendo a pluralidade social e pondo fim à neutralidade de projectos que hoje torna a escola cinzenta e sem identidade.
Em pinceladas largas, é coincidente o retrato da educação em Portugal desenhado por três especialistas de diferentes quadrantes ideológicos ouvidos pelo PÚBLICO - o ex-ministro de Cavaco Silva, Roberto Carneiro, a ex-secretária de Estado da Educação de António Guterres, Ana Benavente e o investigador no domínio da política e da administração educacional João Barroso. Todos têm pontos de vista convergentes, tanto no diagnóstico como na principal linha de terapia: a autonomia das escolas.
"Continuamos sem uma definição clara de qual é a orientação política da educação e o vazio que existe hoje deriva desta ausência de política educativa", avalia João Barroso, actual presidente do conselho directivo da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. "Isto é mais notório porque a tendência hoje é para despolitizar a educação e olhar para a intervenção no campo educativo apenas de um ponto de vista técnico, como se o problema fosse os instrumentos e não os objectivos", afirma.
"Chegamos a uma situação em que os ministros não dizem que tomam medidas porque são aquelas que servem as suas políticas, mas apenas porque as têm de tomar, em função de interesses externos: a globalização, a competição, o orçamento", acrescenta. "E o que é importante na política, que é fazer escolhas, não é feito", remata.
No mesmo sentido, Ana Benavente considera que se "perdeu a dimensão ideológica do debate educativo", e que existe hoje a tendência de fazer "de cada pequenina medida de gestão uma bandeira política, muitas vezes contra alguém", como diz acontecer agora com as aulas de substituição. "Em Portugal, com os índices que nós temos, a Educação faz falta como do pão para a boca, e não podemos desperdiçar recursos. Mas as políticas muito partidarizadas, muito centralizadas, mediatizadas e uniformizadas não dão bom resultado", afirma.

O "falhanço" das reformas
Para João Barroso, a situação actual deriva, em grande parte, do "falhanço rotundo" das reformas educativas dos últimos 20 anos. "Hoje já ninguém fala em reformas e estas estiveram longe de atingir os objectivos anunciados. O discurso messiânico do Homem Novo, de que era possível fazer a reforma e pô-la em prática, falhou por completo e isso explica muitas das frustrações que hoje vivemos", considera.
João Barroso diagnostica também um falhanço a nível dos discursos ideológicos, tanto do discurso "mais progressista da igualdade de oportunidades, da escola para todos", como do discurso mais neoliberal, no sentido de "atrelar a educação ao emprego e ao mercado de trabalho, criar o mercado da educação, promover a gestão empresarial das escolas".
Se este último não teve grande concretização a nível dos ensinos básico e secundário, já a chamada "escola para todos" acabou, na opinião dos três especialistas, por se tornar uma escola neutra, sem identidade. "O que é errado no modelo da escola pública é confundir igualdade com uniformidade", afirma Barroso. "Pior desigualdade do que dar o mesmo a toda a gente", resume.
Por outras palavras, Roberto Carneiro considera também que "o princípio da neutralidade filosófica da escola é mortal: nenhuma educação é neutra, toda a educação tem de ter preferências, tem de haver projectos educativos", sublinha. Em seu entender, só há uma maneira inteligente de interpretar a "neutralidade" que está na Constituição: "A neutralidade do Estado está em fomentar uma pluralidade de projectos nas escolas públicas de forma a que haja uma oferta plural."
Embora considere que a igualdade das escolas é "um mito" baseado na igualdade de parâmetros, e que na verdade as escolas são todas diferentes, também Ana Benavente reconhece que ainda são muitas as "escolas correntes-de-ar" - sobretudo nas periferias das grandes cidades e no meio rural -, que sofrem todas as consequências das políticas educativas e estão sujeitas a grande instabilidade.

A autonomia
como caminho
Embora tenham pontos de partida diferentes e possam divergir nos meios para lá chegar, os três investigadores apontam um sentido único para a melhoria da educação: a quebra da padronização e o reforço da autonomia das escolas, que deverão construir projectos educativos em diálogo com a comunidade em que se inserem.
Roberto Carneiro - que recorda ter introduzido o tema através do Decreto-Lei 43/89, o único que não levou a Conselho Nacional de Educação e acabou por ser aprovado "à pancada" em Conselho de Ministros, onde caiu por terra a autonomia financeira que propunha-, considera que o essencial é que "as comunidades tomem conta da escola, definam o seu projecto, escolham o seu director e os seus professores". A escola não tem de deixar de ser pública, "ela é eminentemente pública porque é comunitária e não porque pertence ao ME".
"Só quando tivermos escolas públicas especializadas em música, em artes, com um projecto mais cristão ou mais budista ou mais laico, mas uma identidade própria, então naturalmente a escola pode abrir-se a uma selecção melhor por parte dos pais", afirma.
Para Ana Benavente, há exemplos na história que mostram que é possível conciliar qualidade com educação para todos, caminhando para o que chama de "escola inteligente", que ultrapassa o ensino expositivo e a compartimentação dos saberes e incentiva os espaços de diálogo interdisciplinar na escola. "Importante é diferenciar, seja pública ou privada. O melhor das privadas - um corpo docente estável, uma escola com identidade e autonomia - nós também queremos na pública", defende.
"Numa escola pública, o projecto educativo tem de ser plural, porque igualdade é acolher a diversidade", sublinha João Barroso. "Por isso têm de construir mecanismos para que as pessoas participem, discutam, negoceiem, façam contratos, assumam compromissos".
Só assim, considera, se vai criar "uma pressão sobre os professores, sobre os pais, sobre a gestão das escolas para definir claramente o que querem fazer, como querem fazer, com que resultados e com que meios". E depois contratualizar com a administração, de forma a que as duas partes assumam as suas responsabilidades.
O problema é que a autonomia é "uma retórica sem prática". Apesar de estar na lei há muitos anos, apenas um contrato foi celebrado até hoje. Porquê? "É uma questão política, de poder", responde Roberto Carneiro. "Quem tem o poder dificilmente o distribui."
João Barroso subscreve, mas vai mais longe: "Não pode haver um projecto educativo local se não houver um projecto educativo nacional, e hoje a sociedade portuguesa não tem projecto político definido. Não há educação sem política. Repolitizar a educação é fundamental."

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