12 de novembro de 2005

Na linha do Engenheiro Sócrates, quebrei uma promessa. E o meu compromisso foi quebrado para ampliar [para os apressados, distraídos e leitores de outros diários] uma opinião, tornar mais visível uma carta endereçada ao director do jornal Público.

"Aulas de substituição
Na sala de professores há uma nova linguagem a marcar o quotidiano docente. Os professores referem-se constantemente a TE, TS, Tsupervê, TCD, TDT, TLR. Quer isto simplesmente dizer Tempo Escolar, Tempo de Substituição, Tempo Superveniente, Tempo de Coordenação de Departamento, Tempo de Direcção de Turma, Tempos Lectivos Remanescentes. Falta o TI, o Tempo Individual, para completar as 35 horas. Uma maravilha de novidades.
A sala de professores é uma praça pública, despida de templos a divindades, de monumentos a figuras célebres e de raríssimas "lojas" educativas. Se não há pelourinho, há tribunal das 8h00 às 18h20. Ali, na sala, abrigados do sol e da chuva, alguns professores aguardam o "que der e vier", quando estão em TS.Esta situação fez-me lembrar uma passagem bíblica do Novo Testamento: dos trabalhadores da vinha. O proprietário saiu à procura de trabalhadores para a vinha, ao preço de "um euro", para fazer o que fosse preciso, naturalmente. Outro "senhor" poderá contratar um trabalhador para trabalhar. Será para qualquer trabalho que precisar: levantar uma parede ou paliçada, rachar lenha, cevar porcos, pastorear ovelhas, semear trigo, carregar água, enfardar palha, colher frutos... À sala de professores não vem o "proprietário", mas vem o encarregado...A esta predisposição para a realização de múltiplas tarefas chama o secretário de Estado, Valter Lemos, "defesa de uma escola de qualidade". A ministra da Educação, justificando a medida com certas disfuncionalidades existentes que devem ser corrigidas, acrescenta: "... quantos professores de Português não gostariam de ir à escola do 1.º ciclo ler poesia ou fazer umas graças?" Ler poesia, sim, senhora ministra. Mas o que quer dizer com "graças"? Serão graçolas? Ah! Depois do professor-baby-sitter, eis agora o professor-entertainer. O melhor era constituir equipas de "gatos fedorentos", não? A "contra-informação" não seria conveniente, pois não?
A qualidade de ensino que o ministério defende não se compadece só com boa-vontade, com "paus para toda a colher". A ocupação de tempos vazios, os tais "feriados", tem de ser estruturada, planificada, enquadrada e adequada a cada ano curricular e não feita ao "deus-dará", de um dia para o outro, ao sabor da maré ou da ondulação como está a acontecer.
As ditas actividades escolares, que não serão aulas de substituição, devem nascer de projectos pensados, discutidos, criativos, enriquecedores. Os tais tempos lectivos não devem ser unipessoais, mas interdisciplinares e desenvolvidos por equipas educativas. Para isso é preciso planificação. Planificar significa tempo. Realizar significa dispor de recursos financeiros, porque recursos humanos existem. São necessários espaços que não há. Para se ser feliz bastará "o amor e uma cabana"? É arqueológica a expressão que sem ovos... Nós já sabemos que a ministra não tem ovos. E quer comer a omoleta?! A senhora ministra até pode retorquir que "quem não tem cão caça com gato". Pois sim. Mas será que quer ratos na ementa da Educação? Aos professores não interessa uma vida de "huno".O Ministério da Educação engendrou uma ideia e lançou-a ao "mar" e disse do cais: voga, voga e "seja o que deus quiser"; que os ventos te sejam favoráveis. Aos conselhos executivos e aos professores disse tão-somente: "Agora desenrasquem-se." O meu tio Sebastião costuma dizer de outro modo: "Agora, cozei-vos." Ou será cosei-vos?"
Ribeiro Aires
Lisboa

Esta opinião também é minha.

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