17 de outubro de 2005

Um conselho escusado

A última crónica do prof. Daniel Sampaio na Xis [revista do Público] de 15 de Outubro não suscitou qualquer comentário na escola situada. Não será estranho o facto do tema ter sido suficientemente dissecado pelos professores nas tertúlias do ofício. Não vi uma palavra sequer escrita da blogosfera a respeito da opinião do ilustre professor que decidiu recuperar, uma vez mais, o tema das aulas de substituição para prescrever algumas dicas:

“Meu caro Professor, se vai dar uma dessas aulas, comece por falar de si:
O seu nome completo, o que faz, como é a sua família, do que gosta ou não gosta (animais, clubes, tempos livres, aspirações pessoais…). Depois, ouça os alunos de forma organizada, diga uma graça adequada para quebrar o gelo inicial, esteja atento aos temas que eles enunciam de forma tímida. Nunca deixe que se atropelem ou desorganizem a conversa! Se encontrar um silêncio persistente, fale da televisão, discuta uma notícia de jornal, traga uma tema da escola para a discussão participada.
Vai ver como falar com um grupo de jovens que não conhece vai ser uma experiência gratificante para si (como me acontece há trinta anos, pois já falei com milhares de jovens desconhecidos em aulas, garagens, pátios das escolas, anfiteatros municipais, teatros e até igrejas). Se não conseguir à primeira, não desista logo, vai ver que tem resultados surpreendentes.”

É assim que o prof. Daniel Sampaio termina a sua crónica refutando uma linha de argumentação que tem sido muito utilizada por alguns docentes “contestatários” às medidas coercivas que afectam o tempo de preparação dos professores: As aulas de substituição não devem ser utilizadas para actividades lectivas, de compensação ou de reforço de aprendizagens. O que diz o professor Daniel Sampaio é que a recusa dos professores em realizar um trabalho lectivo extraordinário não remunerado é um equívoco. Afinal, o que se pretende é que os professores abandonem a ideia da escola unidimensional e se preparem para proporcionar “um ENCONTRO ORGANIZADO e LIVRE entre um grupos de jovens e um adulto disponível: haverá coisa mais importante do que isso, no contexto de uma escola?” Claro que não, caro professor. Não podia estar mais de acordo.
O problema principal é que nem o aluno nem o professor entendem esse encontro como um encontro livre. Em primeiro lugar, o aluno não tem opção: resta-lhe permanecer numa sala de aula com o professor substituto sem oferta educativa alternativa. Em segundo lugar, ao professor substituto [reparem no carácter pejorativo da expressão] não lhe foi facultada a possibilidade de ocupar esse tempo numa actividade de clube escolar do seu agrado, de acordo com as suas opções vocacionais.
E já que estamos a abordar a questão dos encontros organizados e livres não sou capaz de deixar de sorrir com o que o ME requer(?) dos professores: O renascimento dos clubes escolares. [É imaginação minha...]

Ora, a essência de um clube escolar é a sua frequência livre. Só os professores interessados e empenhados no desenvolvimento das actividades extracurriculares poderão cumprir integralmente as exigências que estas actividades encerram. Preencher horários, fugir das actividades curriculares, andar a reboque dos colegas de um clube, são algumas das perversidades que desacreditaram os clubes escolares no passado recente. E o ME parece não ter aprendido a lição, não avaliou e não estudou o processo de definhamento da Escola Cultural. Ao contrário do que seria desejável acentuou ainda mais os constrangimentos legais que se consubstanciam na limitação de créditos horários para as actividades não-lectivas, enfatizou a ideia de que a organização e funcionamento da escola deve ter como único referencial as actividades curriculares, e continua a deixar-se afinar pelo diapasão do voluntarismo e “carolice” dos professores que acaba por amortecer, irremediavelmente, o entusiasmo por este tipo de iniciativas. Alguém acredita que os clubes escolares cumprirão a sua função – satisfazer as necessidades dos alunos de acordo com as suas particularidades vocacionais? Alguém acredita que este é um caminho que nos conduzirá à Escola Cultural?

O prof. Daniel Sampaio reconhece alguma dificuldade em entender a resistência de alguns professores às aulas de substituição. Atrevo-me a prescrever-lhe algumas dicas:
Meu caro professor, o professor Manuel Ferreira Patrício e a AEPEC têm um vasto trabalho publicado que pode servir de suporte básico de vida para reanimar a escola. Depois, pode procurar as razões mais profundas do desânimo que tem tomado de assalto a persistência dos professores, nomeadamente, a sensação de impotência e a tomada de consciência da precariedade de meios que o professor tem ao seu dispor para lidar com os inúmeros problemas sociais que sufocam a escola. Desconfie das medidas mediáticas e facilitistas que reduzem os problemas educativos a uma só variável. Acredite que as suas boas intenções e os seus bons conselhos são inócuos para os “tais docentes” que seriam o alvo das suas crónicas. Mais, o efeito que pretende atingir será o oposto às suas evidentes boas intenções, acabando por descredibilizar ainda mais a imagem do professor junto da opinião pública porque sendo tão óbvias as suas dicas, fico envergonhado.

Creio que não irá ler as minhas sugestões como eu li as suas. Mas, se porventura isso acontecer, acredite que há momentos em que um bom conselho só deve ser dado em privado.

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