29 de agosto de 2005

Pensar a educação (II)

A propósito da entrada anterior, a Isabel deixou, no seu primeiro comentário, uma ligação ao jornal A PÁGINA. O jornal recolheu quase três dezenas de depoimentos junto de um painel que incluiu colaboradores do jornal, professores, estudantes, sindicalistas e sociedade civil sobre as prioridades e as medidas que cada um destes grupos julgava ser importante implementar no sector educativo português. Descortinei de relance os seguintes aspectos críticos do sistema:
Erradicar o analfabetismo; Dar prioridade à escolaridade obrigatória; Afastar os incompetentes; Apostar na formação de técnicos qualificados; Modernizar o ensino básico; Organização e vontade política; Investir nas novas tecnologias; Revalorizar a profissão docente; Computadores, ciência e tecnologia; O regresso de Roberto Carneiro [presumo que este depoimento procurava enfatizar a reforma que ele dirigiu]; Educação para a Cidadania; Debater ideias; Apostar no Ensino Técnico e Profissional; Educação de qualidade para a primeira infância; Escola de hoje ensina pouco; Rigor e qualidade; Acabar com o analfabetismo; Reforçar a segurança; Educação para a cidadania; Qualidade no ensino; Reforçar o ensino técnico e profissional; Investir seriamente na educação; Mais tecnologias da informação; Melhores condições de trabalho nas escolas; Arrumar a casa [desorganização interna]; Ensino superior e investigação [maior investimento]; Estabilidade do corpo docente é fundamental; Contrariar o abandono escolar.

Apesar de se verificar algum acordo quanto à identificação dos aspectos mais críticos do funcionamento do sistema educativo, o seu diagnóstico e, em particular, a escolha das soluções e a avaliação dos resultados por elas alcançados, revelam uma forte clivagem política em função de diferentes posicionamentos ideológicos quanto às finalidades da educação, papel do Estado, intervenção comunitária, organização da administração pública, etc. Justifica-se por isso um debate sobre a “repolitização” da educação e da escola (1).

Voltarei ao assunto.

(1) BARROSO, J. (2003). A Escola Pública – Regulação, Desregulação, Privatização. Porto. Edições ASA.

Adenda:
Fumo branco para as listas de colocação de professores.

Adenda II:
“Miguel, fiquei confusa com "Justifica-se por isso um debate sobre a “repolitização” da educação e da escola", talvez pq não conheço o contexto de "repolitização" em J. Barroso. Claro que tudo é político, o susto é que isso signifique: tudo é partidarização, contra o disposto no artº 2º da Lei de Bases que abaixo citaste. Mas aguardo o teu "voltarei ao assunto".”

Calma Isabel, “ainda” não temos motivos para alarme. Não te vou fazer esperar pelo esclarecimento.
Deixa-me lá contextualizar as ideias de João Barroso e tentar justificar a referência que fiz ao respeitável autor.
A partir dos finais da década de 80 a discussão sobre os temas e intervenientes do sistema educativo foi tomada de assalto pelos analistas, editorialistas e comentaristas da imprensa, especialistas em tudo e em coisa nenhuma. Artigos de opinião assinados por figuras públicas [e outras menos públicas (professores, empresários, encarregados de educação, etc.)] e outras intervenções oscilam entre dois registos discursivos radicais: a dramatização da crise e a diabolização da mudança. No primeiro caso, é um discurso que se baseia no empolamento dos problemas existentes para depois sugerir mudanças radicais inspiradas ou no regresso “às boas receitas do passado”, ou nas politicas neoliberais já ensaiadas nos finais das décadas de 80 pelos governos conservadores dos Estados Unidos e no Reino Unido e depois generalizados a outros países. No segundo caso, verifica-se um estado de suspeição sobre tudo o que pretende alterar o status quo. “Quaisquer tentativas de introduzir uma mudança na regulação e organização da escola, ou de alterar as relações de poder existentes no seio da administração e das escolas são vistas como comandadas por forças ocultas que visariam destruir a lógica do serviço público […] e os pressupostos que presidiram à sua expansão”. (p.11)
Como refere ainda João Barroso, “Num e noutro caso reina uma visão maniqueísta em que de um lado estão os «bons» e «espertos» […] e do outro lado estão os «maus» e «estúpidos» que não aprenderam nada com as lições do passado” (ibidem)
Em Portugal, o discurso da dramatização da crise é hegemónico. Os alvos do discurso são: o Estado, as Ciências da Educação, os professores e os seus sindicatos. As receitas para sair da crise são em geral, as mesmas: redução do papel do Estado na educação [privatização da escola pública], gestão empresarial, subordinação das questões pedagógicas aos critérios da eficiência e qualidade, definidos segundo uma lógica de mercado; redução dos poderes dos professores e dos seus sindicatos corporizada com o aumento da influência dos pais e das empresas na configuração da oferta educativa e sua gestão. Este discurso passou muito bem para a opinião pública [Apple considera que este discurso já foi absorvido pelo senso comum] e segundo Barroso, “as perspectivas e soluções destes críticos não passam de réplicas descontextualizadas de posições e iniciativas adoptadas, desde há algum tempo, em outros países e sobre os quais existe hoje uma discussão fundada em investigação consistente e empiricamente sustentada, embora insuficiente.
Os debates e as investigações produzidas nos mais diversos países têm sido eclipsados pelo discurso tecnocrático e gerencialista dos que encaravam o mercado como uma fatalidade e a “gestão empresarial “ como único modelo de sucesso. Daí que se justifique a “repolitização” do debate sobre educação e a escola na medida em que a identificação dos aspectos mais críticos de funcionamento do sistema educativo, o seu diagnóstico, e a escolha das soluções e a avaliação dos resultados por ela alcançados, revelam um forte clivagem política, quer em termos convencionais de «esquerda» «direita», quer em função de diferentes posicionamentos ideológicos quanto às finalidades da educação, papel do Estado, etc.

Está mais claro? ;)

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