7 de março de 2005

A "nossa" selecção (II).

Um comentador disse o seguinte:

"«A administração educativa já utiliza meios mais ou menos refinados para promover a selecção social dos alunos do ensino secundário, nomeadamente, através da introdução de critérios objectivos para a constituição das turmas.»

Escrever isto é fácil e produz bonito efeito naquelas audiências desejosas de uma controvérsia sem fundamento, mas, quando queremos aprofundar o sentido, para encontrar a substância desta «acusação», este embaraça-se na falta de conteúdo.
Seria necessário, para transformar este conjunto de palavras numa constatação, que explicitasse:
- o que entende por administração educativa
- a que meios se refere, concretamente, e o que é que, quanto a si, lhes confere o refinamento
- a que critérios objectivos para a constituição das turmas se refere (na legislação e normativos aplicáveis)
".

A minha tentativa de esclarecimento:

1. A administração educativa [em bom rigor, a administração do sistema educativo] é uma estrutura de tipo piramidal cujos níveis de administração estão definidos na Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro [LBSE], com alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro [ver Capítulo VI da LBSE].

2. Parto de dois pressupostos:
a) A escola é um microcosmos societal. Qualquer selecção escolar [de processos ou de resultados] resulta numa selecção social de maior ou menor impacto no indivíduo e grupo(s) de pertença.
b) A selecção coexiste com a exclusão. Neste ponto de vista, a questão da selecção andará de mãos dadas com a questão da inclusão. O conceito de inclusão é multifacetado e quando me refiro à inclusão ao nível da educação não dissocio da inclusão ao nível social mais lato.
Ora, como a questão da inclusão tem as suas raízes fora da escola, “não será possível conceber uma escola inclusiva num “mar social” de exclusão” [Rodrigues, 2003: p. 9]*.
Será possível que uma estrutura secular selectiva se transforme numa estrutura inclusiva num curto espaço de tempo?
Será possível que uma instituição de normalização, de “indiferença à diferença” como refere o mesmo autor, se transforme numa estrutura de desenvolvimento e de valorização da diferença? Qual o papel da administração educativa neste desiderato? A administração central assume as funções de concepção, planeamento e definição normativa do sistema educativo, assegura o seu sentido de unidade e de adequação aos objectivos de âmbito nacional. Será necessário recordar uma medida peregrina como foi o PNAPAE para provar a ineficiência administrativa?

3. Os critérios objectivos para a constituição das turmas estão relatados no Despacho nº 13 765/2004 (2.a série). 3.2. alínea a), b), c), d) e e).
3.2.2. No caso dos alunos do recorrente as vagas existentes em cada escola ou agrupamento de escolas para matrícula ou renovação de matrícula são preenchidas, dando-se prioridade, sucessivamente, aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter prolongado, à maior proximidade geográfica da respectiva residência ou local de actividade profissional, sem prejuízo da aplicação complementar de outros critérios estabelecidos pela escola ou agrupamento. [O negrito é meu!]

* David Rodrigues (2003). Perspectivas sobre a inclusão – Da educação à sociedade. Porto Editora.


Nota de rodapé 1: Temos 48 alunos para 2 turmas do ensino básico [exemplo simples]. Estão garantidos os critérios definidos pela lei. Quem é que entra para a turma A e para a turma B?

Nota de rodapé 2: A insinuação de que me sinto embaraçado quando sou confrontado com a “substância” das minhas afirmações é uma provocação descabida de sentido porque o anónimo que a proferiu ignora [porque não me conhece] o valor que concedo à coragem e frontalidade.

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