29 de setembro de 2006

Em defesa da escola pública

Apesar de haver elementos de bom senso na crítica aos sistemas escolares, nomeadamente a burocratização excessiva e a reduzida atenção às preocupações dos pais e da comunidade [aliás foi este tipo de crítica que levou muita gente a defender a construção de modelos de currículo mais baseados nas ambições da comunidade], o sentimento antiescola que está sendo formado na opinião pública parece-me destituído de sentido. Mesmo com as falhas evidentes das escolas públicas, elas oferecem uma espécie de cola social, um ponto de referência cultural comum na nossa sociedade cada vez mais multicultural.

A defesa da escola familiar ou do ensino à distância através da Internet rejeita, a meu ver, esta função da escola - coesão social - e ameaça as conquistas de grandes grupos de desprivilegiados e economicamente pobres. A discussão acerca do ensino à distância tem necessariamente de ter um quadro de referência: a justiça social.

Isto a propósito de uma agradável provocação do crack: “… porque teremos tanta dificuldade em perceber que não está longe o dia em que teremos os pais a exigir poder escolarizar os filhos sem o recurso permanente à escola material?”

27 de setembro de 2006

...

[in: KORVUS INNOV@TION]

Mais do mesmo...

No Reino Unido
[…]
Dado que o desenvolvimento capitalista exige competição e estando ele já como se acaba de referir, a sofrer também com os reflexos de uma crise que se avoluma, as orientações neoliberais preocuparam-se então em desviar as funções dos educadores do seu papel de «entidades messiânicas» concebidas pelo Estados-Providência (entidades essas que partilhariam a tarefa de construção de uma sociedade mais justa) para o de entidades que deveriam ajudar o sistemas económicos a manterem-se rentáveis e competitivos. Sentindo a crise e uma situação que Elliot (1998) descreve como sendo de «histeria política», professores, formadores e investigadores em educação passaram a «bodes expiatórios» (Cortesão, 2000).
Pois…

25 de setembro de 2006

Das aulas de substituição…

A aula de substituição foi uma das soluções encontradas pelo ME para ocupar os alunos durante a ausência de curta duração do professor.
O aplauso generalizado da opinião publicada e de um número restrito de professores [não me peçam estatísticas] evoca o argumento de que os alunos têm direito à matéria de ensino prevista num tempo e espaço definido à priori. Ao colocar o objecto de ensino [a matéria] no centro da acção educativa, a administração escolar parece defender a despersonalização da relação educativa e admite que o acto educativo não tem de ser necessariamente singular. A meu ver, é nesta abstracção do acto educativo que mergulha o paradigma do ensino à distância e que em certa medida já fora experimentado entre nós através da TV escola [a solução encontrada num tempo particular para resolver o problema do acesso massificado à educação escolar]

Mas a pergunta que me ocorre neste momento é a seguinte:
Serão as “aulas de substituição” um dispositivo de ensino transmissivo [Paulo Freire designava este tipo de ensino de educação bancária] que contradiz a tese da imprescindibilidade do professor?

24 de setembro de 2006

Alento…

“um tirano só é grande aos olhos do cobarde” (Vergílio Ferreira)
Não creio que uma afirmação deste teor fique desalojada do [meu] tempo.

23 de setembro de 2006

Aprender a negociar a mudança em educação

Na capa:
"Numa escola que é um compromisso negociado é preciso combater o medo da desordem e a obsessão do controlo..."

Na contra-capa:
"A outra face da medalha é mais conhecida: uma reforma conduzida sem ou contra os actores não só falha como deixa feridas e contribui para o desenvolver de mecanismos de defesa contra toda a inovação. Aqueles que investiram as suas forças e a sua inteligência para mudar a escola, muitas vezes indo bem mais além do que os seus mandatos, ficam tristes e amargos quando o seu trabalho não é reconhecido nem tido em conta. Saem da experiência fortemente decididos a não cair no mesmo jogo uma segunda vez." (Perrenoud, 2002)

Um livro que não entrou, seguramente, nos gabinetes da 5 de Outubro...

Adenda: Há blogues que merecem crescer nas audiências pela natureza das reflexões produzidas. É o caso do blogue do Paulo Guinote - A Educação do meu Umbigo -.
Vale a pena passar por .

22 de setembro de 2006

Parco em palavras…

A organização escolar [até podia generalizar para as restantes organizações] comporta-se de forma hipócrita. E a hipocrisia foi a solução encontrada para promover a estabilidade social e a felicidade dos actores que fazem parte da organização. Se a hipocrisia foi elevada à categoria de solução, para quê perdermos tempo com o problema - hipocrisia? …

Adenda: O Conselho de Ministros, reunido hoje na Presidência do Conselho de Ministros, aprovou o Decreto-Lei que altera o actual regime sobre a justificação da doença e respectivos meios de prova aplicável aos funcionários e agentes da administração pública, previsto no Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de Março, passando a exigir-se uma declaração emitida pelas entidades competentes do Serviço Nacional de Saúde, como único meio de prova idóneo para justificar as faltas por doença.

Hummm.. os atestados médicos dos médicos que trabalham nas entidades competentes do Serviço Nacional de Saúde são o único meio de prova idóneo para justificar faltas por doença. Os atestados médicos dos mesmos médicos passados nos seus consultórios privados deixam de ser meio de prova idóneo… Estou a ver… Isto é Simplex!!

Até podia recomeçar a entrada: A organização política comporta-se de forma hipócrita…

...

20 de setembro de 2006

Quem deu um tiro no sapato?…

Não vi nem li uma reacção de desagrado de um qualquer representante do PSD acerca do programa do Prós ME, o que não deixa de ser comprometedor.

Vejamos: O país assistiu em directo a um vergonhoso beija-mão dos presidentes de conselhos executivos convidados para o programa Prós ME. Não estranhei a postura dos colegas “executivos” no referido programa porque ainda tenho presente o ambiente quase sigiloso, hesitante e comprometido que marcou a célebre reunião da Maia.
Sendo incontestável a prova pública de fidelidade à tutela, e não importa saber se o fizeram de forma consciente ou se foi apenas uma questão de sobrevivência [política], os presidentes de conselhos executivos intervenientes no programa acabaram por relevar a falta de oportunidade da recente proposta do PSD – o projecto de lei que consagra a liberdade de gestão das escolas . Mas a prestação destes actores não ficou por aqui. Para além de servirem de amparo à ministra, ainda tiveram tempo de demonstrar que:
  • é possível aproximar o ME das escolas se for conquistada a principal liderança da escola;
  • que a figura do gestor nomeado pela tutela é dispensável porque o actual modelo não cria resistências à prossecução das políticas educativas;
  • os actuais gestores não representam os professores o que atira por terra a velha tese do corporativismo na gestão escolar;
  • os professores para defenderem o seu estatuto só poderão contar com eles próprios e com as estruturas legítimas [profissionais e sindicais] que, de forma inequívoca, defendam a classe docente.
Se os gestores que temos no terreno são de confiança e ainda por cima “baratos” [permitam-me a utilização de uma linguagem de merceeiro], para quê avançar com uma proposta que será obviamente mais cara [alguém acredita que há gestores profissionais com o perfil da Madre Teresa?] e que não garantirá melhores resultados. E por falar em resultados, que resultados se esperam alcançar com a metamorfose?

19 de setembro de 2006

Demagogia

"O PSD vai levar à discussão e votação no Parlamento a 28 de Setembro um projecto de lei que consagra a liberdade de gestão das escolas."

Será que o furor liberal do PSD é suficientemente forte e amplo que, num cenário governativo [ainda longínquo], o leve a abrir mão do controlo dos currículos, da agenda educativa, abdicando de um instrumento eficaz de controlo social?

18 de setembro de 2006

Parte I – Prós sem contras

Vassalos…
Acólitos…


Que triste figura faz uma alma vendida!

Adenda: Uma anedota para descontrair ;)
[Entrevistadora] Temos aqui dois alunos, por acaso muito bons, que vieram de duas escolas bem classificadas no ranking. O modelo de escola… e de pedagogia da tua escola foi importante para ti?
[Aluno] ??? Sim, gostei dos professores […], da escola […]
[Entrevistadora] Pois… não podes dizer muito, ainda vais ser avaliado no 12º ano… e estás muito nervoso… :)))

17 de setembro de 2006

...

Garantiram-me que esta erva contém citral, substância também encontrada na melissa, que lhe confere propriedades calmantes e sedativas.
Faça uma infusão com cinco gramas de folha para cada chávena de chá de água. Coe em seguida e, prudentemente, antes de se sentar em frente do televisor para assistir ao programa “prós e contras” que será transmitido amanhã à noite na RTP, beba umas boas goladas.

No que me diz respeito, não vou esperar um dia para me certificar dos efeitos curativos… É verdade, o glorioso está prestes a entrar em campo… ;)

16 de setembro de 2006

Educação secundária…

Li algures que a educação é um instrumento para lutar contra o destino. Tenho pena de não poder anunciar o autor destas palavras tão sábias. A educação é a esperança do filho do ignorante, do filho do trapaceiro, do filho do pobre, do filho do fundamentalista.
Receio muito que a fatalidade ganhe esta batalha!

Admirável…

As nossas mãos, encontro de sentidos

O ano começa e vou até ti de mãos nuas.
Tento despejar de mim todos os cansaços passados, todos os desalentos, todos os pensamentos, preocupações, todos os escuros. Tento acender luz nova nos meus olhos para os teus sedentos. Quero ajudar-te a sentir o prazer de olhar e ver as coisas profunda, vagarosa e demoradamente. Assim nascem as melhores perguntas, as que mais nos fazem caminhar e aprender.

Serás novo para mim. Eu nova para ti.
E haverá no nosso mútuo olá de primeira vez uma coisa fresca de fruta doce de Outono. Hei-de ajudar-te a distinguir os sabores que o saber pode partilhar. E o gosto apurar-se-á em cada colher de sopa mágica que tomarmos na mesa que vamos partilhar. Sei que te darei tudo o que puder, mas pedir-te-ei muito mais do que aquilo que te posso dar. Para que sejas tu a progressivamente saborear, a construir (e não eu através de ti).
E já sei que, provavelmente, as minhas mãos se encherão das tuas. Nelas vais ler os muitos anos na companhia de ti sem seres exactamente tu. Perceberás as mil texturas de que é feita uma estrada. E descobrirás que também consegues moldar formas novas, tornar macio o áspero, encontrar o quente que se esconde no frio.

Te direi, um dia, das minhas causas, das minhas lutas, porque as não esqueço e é por ti que elas se desenham e cumprem. Mas apenas depois de crescermos os dois um bocadinho mais, nesse exercício de aves aprendendo a voar juntas e separadas. As tuas causas, as tuas lutas serão as tuas.

O ano começa e vou até ti de mãos nuas. Porque quero ter espaço para ti em mim.
Quero os meus sentidos livres no encontro com os teus.
Sacudo os restos do pó acumulado do ano que já foi. Lavo-me (procuro lavar-me?) de tudo o que fere o sorriso que te quero dar. Afasto o cheiro menos bom do que é velho e desnecessário, perfumo a preciosidade antiga que faz falta, decido partilhar o aroma dos futuros possíveis. Das flores que semearmos a meias. Mereces um sorriso fresco e claro. Um cheiro a cama feita de fresco. Tudo novo por ser mesmo novo ou apenas porque o é aos olhos de quem vê pela primeira vez o que pensava já conhecer.
E sei que, nos anos contados a partir desse sorriso primeiro, iremos entrelaçar-nos numa teia macia que não prende, e ajudará o difícil exercício de libertação. E abraçar-nos-emos de mil formas possíveis, percorrendo com o corpo bem desperto todos os caminhos reais e sonhados. E hei-de escutar-te sempre, mesmo quando não te ouvir. E ajudar-te-ei a descobrir essa arte preciosa de saber colar os ouvidos ao universo infinito que nos habita por dentro e ao mundo, que tantas vezes dizemos ser pequeno, desarrumado fora de nós. Na escuta se aprende o prazer e a importância do som. Se cresce em cada aventura entranhada nos dias. Tudo é música, até o silêncio.
Vais descobrir. Basta quereres, deixares, aceitares as minhas mãos, quando bater à tua porta. Acreditas em mim se disser que está também nas tuas mãos?

E as minhas mãos na companhia das tuas passarão a ser as nossas mãos.
(Com um cuidado especial, segredo que todos os Professores deviam conhecer: saber sempre, em cada minuto partilhado, onde acabam os meus dedos, onde terminam os meus sentidos e começam os teus... As tuas asas?)”


TMM
Correio da Educação, nº 265, 11 de Setembro
ASA.

:o)

Ontem fiquei agradavelmente surpreendido quando entrei na minha caixa de correio.
Os autores do Sépia presentearam-me com este lindo logótipo que vai adornar o outrÒÓlhar.
Obrigado António.

15 de setembro de 2006

Desconhecer e fugir para diante

Joaquim Azevedo*

“[…] Estamos, de facto, perante uma crise real e profunda do sistema educativo. Mais, existe uma incapacidade inquietante em pensar com tempo, profundidade e persistência o que realmente subjaz a esta crise (será que alguma vez criamos hábitos de pensar deste modo a nossa sociedade?). Alguns espertos, como mera estratégia de recurso e como “fuga para a frente”, agarram-se ao mais insensato senso comum e enunciam à exaustão uns slogans elaborados apressadamente, à falta de melhor e porque a repetição de frases feitas e sem qualquer explicação é uma das conhecidas vias de endoutrinação.

A crise existe, é generalizada e, entre nós, apresenta contornos particularmente graves. Ela tem causas que se colam a um percurso histórico concreto e a opções políticas da elite dirigente do Portugal democrático. De nada vale esconder a cabeça na areia, é preciso investigar e debater esta situação sem descanso, pois é urgente agir acertadamente (como estão tão em moda os apelos ao agir, agir, agir, outro sinal de fuga para a frente!), ou seja, melhorar a escola portuguesa. O contributo das ciências da educação (a educação é uma actividade humana complexa que carece do contributo de várias ciências para ser compreendida) tem sido precioso, não só para compreender o caminho percorrido como para perceber fracassos e impasses actuais. Este contributo das ciências da educação pode ser analisado pelo menos sob três prismas: (i) elas têm-nos afirmado e reafirmado que há políticas que têm sido seguidas que só podem conduzir ao desastre; (ii) elas lembram-nos que há uma realidade social que nos condiciona e amarra e que não é possível puxar pelas folhas para fazer crescer e verdejar a alface; (iii) elas sugerem, de muitos modos, que há outras vias que se deveriam percorrer para melhorar a educação e os seus resultados. […]”

[ler o texto integral aqui]

* Membro do Conselho Nacional de Educação, Director do Instituto de Educação da Universidade Católica do Porto
Publicado no Jornal de Letras - Educação

14 de setembro de 2006

Polemizando

O comentário do amigo manuelc [há muito tempo desaparecido destas conversas] e o texto que deixou no seu cantinho abrem três frentes de discussão:
  1. Transferir para fora da escola as causas e as soluções dos problemas escolares é uma forma de desresponsabilização daquilo que é a escola, que é o serviço público, que é a orientação da vida em democracia?
  2. É inequívoco o caminho político desta ministra em direcção à equidade social?
  3. Os valores específicos do domínio público - a igualdade, a justiça e a cidadania - estão ou não a ser subvertidos e substituídos por influência da actual política educativa?

13 de setembro de 2006

Prémio nacional de mérito para professores

Um comentário à notícia:

"Não precisamos de prémios, Sr. Ministro! Precisamos de respeito, de paz, de condições de trabalho, de decisões atempadas e certas, de critérios que não mudem ao sabor dos ventos. Precisamos de alunos que não tenham fome, nem se levantem de madrugada para chegarem às escolas, que sejam educados, que saibam que podem ser punidos se forem malcriados, se não levarem material, nem livros. Precisamos de alunos que cheguem a horas, que não tenham telemóveis a tocar por tudo e por nada (mesmo chamadas dos pais!!!), que não se recusem a ler, nem a organizar os seus trabalhos, que não copiem integralmente trabalhos da net, que queiram mesmo aprender. Precisamos de alunos que saibam que o professor é um amigo, mas que também saibam que têm de colaborar e de respeitar os mais velhos e os colegas. Precisamos de escolas bem equipadas, sem actividades extracurriculares que não sejam pedidas pelos alunos. Eles raramente querem ficar na escola, para além do que o longo curriculo obriga. Precisamos também de escolas em que as aulas de apoio sejam frequentadas pelos que dele supostamente precisam e o querem. A maioria sabe que não reprova se faltar e apenas aparece antes dos testes. Muitos dos alunos são propostos para apoio apenas porque, ao longo do ano, não fazem rigorosamente nada. Precisamos de pais que vejam que os seus filhos não devem sair para a escola sem nada nas mãos ou apenas com a carteira(Será que não sabem que se devem levar livros, cadernos, canetas...?)Precisamos de pais que tirem os aparelhos de televisão dos quartos dos filhos e que não os deixem ficar até de madrugada a ver filmes ou na net. Qualquer professor com uma simples conversa vê que uma grande percentagem de alunos tem esse comportamento e, desses, muitos têm o "consentimento" da família. Precisamos de rigor na aplicação da lei que não permite que os menores bebam nos cafés ao lado das escolas (Só o aviso na parede não chega!). Precisamos que seja aplicada a mesma lei nas discotecas e bares. Precisamos de um efectivo combate aos traficantes de droga que também nos dá cada vez mais guerra. Precisamos de ter rapazes e raparigas que saibam que estudando terão um futuro promissor à sua frente e não a lista do desemprego à sua espera. Bem vê, Sr. Ministro, precisamos de muita, muita coisa. De muito mais do que isto que enumerei. Mas de prémios? Não, obrigada! Nunca arranjaria um prémio suficientemente digno de compensar todas as nossas verdadeiras necessidades. Guarde o dinheiro dos prémios e aplique-o onde deve. Já agora, quando formos velhinhos precisaremos também de uma reforma. Não se esqueça!"
In: http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=723611

12 de setembro de 2006

Contradições…

Maria de Lurdes Rodrigues disse, entretanto, não estar preocupada com a greve que os sindicatos de professores estão a preparar, afirmando estar preocupada apenas "com os resultados escolares dos alunos e com o cumprimento dos objectivos do programa do governo".
A negociação do novo ECD não está a correr bem: Os sindicatos ameaçam com a rotura negocial se o ME se mantiver intransigente; A ministra desvaloriza as ameaças de greve, e sem contestar as acusações dos sindicatos, dá um sinal claro de que para o ME os problemas sentidos pelos docentes são irrelevantes e marginais.

Para quem se diz preocupada com o cumprimento do programa do governo, esperava-se da ministra outra atitude. É que o programa do governo é bem claro:
[…] A avaliação do desempenho dos professores, neste contexto, deve ser acompanhada por iniciativas que aumentem a motivação e a auto-estima dos professores em função dos resultados obtidos e das boas práticas reconhecidas pelos seus pares. [o negrito é meu]
Será que o sistema de quotas que limitará o acesso à carreira de professor titular faz parte desse conjunto de medidas promotoras da auto-estima dos professores?

10 de setembro de 2006

Conversa de domingo

  1. Um dos meus leitores [ou melhor ex-leitor], a dada altura, endossou-me uma crítica dura mas acertada durante uma discussão cruzada. Essa crítica descrevia a minha dificuldade em apresentar soluções para os problemas que por aqui se levantam, e que o meu discurso era muito palavroso, pouco sistemático e que corria o risco de ser confundido com o discurso dos eruditos das ciências de educação. Isto é, simplificando, o que esse leitor [que eu considerava e ainda considero um exímio utilizador do processo argumentativo] disse, é que a minha escrita era imprecisa e desconexa. Até hoje, nunca senti necessidade de refutar esta opinião, por dois motivos: porque reconheço algumas das minhas limitações nas expressões [escrita incluída] o que me leva a considerar a justeza de uma parte da crítica; e porque nunca me projectei em ninguém assumindo sempre com verdade a minha singularidade de professor e homem do terreno, logo, se alguém me confunde com outrem esse será um problema que terá de ser imputado ao leitor. E abusando da linha intimista permita-me, caro leitor, já que nos representamos olhos nos olhos, uma recomendação: se busca a evidência através do argumento da autoridade, receio que não a encontre por cá…
  2. A função docente não se reduz a um enquadramento normativo mas encontra aí uma boa parte da sua legitimidade. Há discussões que sabem a papel de música: Andar sistematicamente a repetir que o professor não é psicólogo, não é auxiliar da acção educativa, não é polícia, não é assistente social, não é isto e aquilo, e que o ME e o mundo que nos rodeia quer que sejamos isso tudo e mais alguma coisa, e que os sindicatos só defendem os interesses dos seus dirigentes e que não gostam de “dar aulas”, e que o melhor é uma Ordem que faça por nós, dizia eu que este discurso sem a acção correspondente faz parte do tal discurso pessimista a que se referia o Eça e que dá muito jeito aos inertes mas que pouco contribuirá para alterar o estado da situação em que nos encontramos. Obviamente que me dirijo aos inertes que nunca têm tempo para estas mesquinhices e que isto é conversa de teóricos.
  3. As escolas situadas são, por definição, todas diferentes… muitas das desilusões que sentimos ao longo do tempo decorrem das expectativas desproporcionadas… Muito do pessimismo circunstancial que nos fere a alma tem mais a ver com a deficiente análise da situação da escola - esse complexo sistema de relações pessoais, do que com eventuais mudanças nos actores locais.
  4. O glorioso continua a perder... Uma desgraça nunca vem só!

9 de setembro de 2006

Bom fim-de-semana :o)

"O pessimismo é excelente para os inertes porque lhes atenua o desgracioso delito da inércia. Se toda a meta é um monte de dor, onde a alma vai esbarrar para quê marchar para a meta através dos embaraços do mundo?" [Eça de Queiroz, As cidades e as serras]

8 de setembro de 2006

Ministério das Finanças – Secretaria de Estado da Educação

Notas breves:
  • A designação ESTATUTO foi retomada nesta 2ª proposta. Esperava que o rótulo deste “nova” proposta reflectisse menos a subordinação da carreira docente aos interesses do Ministério das Finanças e mais os propósitos do Ministério da Educação.
  • Na linha do anterior documento, legitima um conjunto de condições político-institucionais que minam as relações profissionais ao estimular práticas individualistas e de concorrência dentro das escolas; e encerra um paradoxo: o mérito das práticas profissionais não encontra correspondência no sistema de recompensas [este sistema de recompensas está reservado a uma casta de professores - com mais anos de serviço].

ECD - Consulta pública

A proposta de alteração do regime legal da carreira do pessoal docente da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário encontra-se em consulta pública.

Para enviar sugestões e comentários, utilizar o seguinte endereço de e-mail: ecd.consulta@me.gov.pt

Informação em:

ME

Adenda: O ME ainda não actualizou a sua página oficial e não facultou a 2ª versão do documento. Esta entrada, afinal, deixou de fazer sentido!!

6 de setembro de 2006

Exigir responsabilidade…

Já participei em inúmeros grupos de trabalho. Tenho uma atracção muito forte pelo trabalho de equipa [a minha vivência desportiva justificará em parte esta inclinação] e um enorme prazer em polemizar o que me conduz, invariavelmente, ao associativismo.
Há aqui, nesta decisão pessoal de partilhar e de construir com os outros, uma motivação mais… egocêntrica. Para além deste factor motivacional de natureza interna, existe na organização escolar um apelo sistemático à colaboração ao qual eu sou sensível. Não tanto pela forma como esse apelo é feito [decretado] mas acima de tudo pelas possibilidades que se abrem quando as pessoas se entregam a causas comuns. Não posso, contudo, generalizar este modo de sentir a colaboração. Basta olhar em redor para ver que há outros olhares e modos de expressar a colaboração.

A Teresa evoca a roda-viva que caracteriza o início do escolar. As reuniões de trabalho sucedem-se e a colaboração entre professores é, muitas vezes, compulsiva.
Licínio Lima afirmava num outro contexto, e que bem que as suas palavras se encaixam nas minhas, que “os actores concretos têm, por vezes, o interesse e a capacidade de não reproduzir as directrizes centrais mas também de lhes conferir, na/pela acção uma estatuto periférico ou marginal”.

Isto vem a propósito de uma dúvida que teima em manter-se por perto: É um facto que as emoções afectam a nossa capacidade crítica [a razão]; vivemos num tempo em que a escola se transformou numa montra sugestiva. Mas, será aceitável alegar que a intensificação do trabalho, as exigências do Estado-avaliador e a pressão da opinião publicada retiram aos professores a capacidade de analisar os destinos da educação? Se não é aceitável, então por que razão, as escolas e os professores, não reclamam e exigem ao Estado centralizador mais responsabilidade pela concepção, pela implementação, pelo currículo e pela instrução? A meu ver, desse modo, as comunidades educativas teriam motivos de sobra para trabalharem em comum no desenvolvimento dos seus próprios programas.

4 de setembro de 2006

Outroolhar no olhar do outro

A estocada
4 de Setembro de 2004


A desvalorização da profissão docente tem sido uma constante na última década e meia. Os beneficiários desta degradação profissional não serão certamente os alunos, as famílias, o estado, a sociedade. Serão pequenos grupos que, circunstancialmente, ganham com a conjuntura. Há que desvendar os rostos daqueles que se escondem por detrás de uma ideologia que prevaleceu na modernidade e que não enxerga o alcance destas mesquinhas lutas sectoriais. Políticos obcecados pelo poder, jornalistas acólitos, pseudo liberais que só clamam pelo Estado quando a desgraça lhes bate à porta. Por seu turno, os professores do ensino básico e secundário assistem com uma incompreensível letargia à redução salarial, ao empobrecimento das condições e intensificação do trabalho, às consequências nefastas da proliferação sem critério de cursos de formação inicial com qualidade duvidosa. Uma nova estocada na dignificação profissional do professor sobressai do recente concurso de professores. Paradoxalmente, os obreiros desta cabala ideológica derramam lágrimas de crocodilo quando pressentem má qualidade na formação que é ministrada aos seus educandos. As vozes que reclamam a renovação dos incentivos (essencialmente financeiros) nos sectores fulcrais da administração pública de forma a atrair os melhores quadros do sector privado manterão esse mesmo argumento quando se apelar ao incremento de qualidade no sistema educativo?”

É verdade que hoje, passados dois anos, tenho muito pouco a acrescentar.
Embora a desvalorização da profissão pareça irreversível, o exemplo dos países nórdicos faz-me acreditar que ainda é possível garrotear o problema. E a desvalorização da profissão docente reflecte o modo como o nosso país, singular obviamente, olha a educação. Não caiamos no logro de pensar que elevação da qualificação se resolve cobiçando modelos, práticas e formas de organização,… dos países onde tudo parece funcionar. O problema da qualificação passa por reconhecermos, em primeiro lugar, que este sistema [caótico… ingovernável… e outros rótulos do género que lhe queiram atribuir] só funciona connosco. É com estes alunos, professores, encarregados de educação e auxiliares da acção educativa que se resolve o nó górdio do sistema educativo.

Isto a propósito da acesa discussão que as três últimas entradas geraram. Nós… somos professores no acto educativo. Teorizamos, discutimos, reflectimos, experimentamos, comparamos, bradamos, sofremos, insultamos, rimos, desabafamos,… tudo o que vivermos se reflecte no acto educativo. Em que medida? Não sei, nem me importa saber… Há um palco onde nos revelamos verdadeiramente como profissionais da educação - o acto educativo, que será sempre singular! “Bloguemos” bem ou mal, perfilhemos correntes pedagógicas requentadas, expressemos crenças mais ou menos excêntricas, nada do que aqui dissermos permitirá avaliar a natureza do acto educativo em que nos entregamos.

Dito isto, deixo o meu [habitual] desafio: treinemos a tolerância; aproveitemos esta sala de professores e este excelente auditório que nos permite cavaquear sem pedir licença para crescermos na profissão.

3 de setembro de 2006

Orgulhosamente filhos de Rousseau* (III)

[cont.]

"A desqualificação da pedagogia. Nesta sequência, alguns discursos sobre a educação têm vituperado a pedagogia, a sua preocupação com a igualdade de oportunidades, sobretudo com a igualdade de oportunidades de sucesso, com a centração do processo do ensino-aprendizagem nos sujeitos (não os concebendo apenas como meros objectos) desse mesmo processo, etc. A contraproposta e a pedagogia do esforço, do aprender-sofrendo, da elevação do nível pela via da espinhosa subida aos cumes do saber, numa nova perspectiva elitista, fundada agora no mérito dos desempenhos. À preocupação com a educação enquanto meta da formação substitui-se a procura da performance, isto é, a subsunção do ensino-aprendizagem à produção de perfis terminais de sujeitos que venham a desempenhar eficaz e eficientemente diferentes funções sociais e económicas.
Os professores ao integrarem no seu discurso profissional a performatividade como critério pedagógico dão o segundo, e talvez definitivo, passo para a sua desqualificação. É que a performatividade, enquanto critério pedagógico, tem como pressuposto a morte do professor, isto é, a sua substituição por monitores de informação mecânicos, informáticos, telemáticos muito mais proficientes nessa função do que ele.
É, de facto, paradoxal que condenações recentes da chamada «radical demissão da autoridade dos professores» (ver, p.e., M. Fátima Bonifácio, Público, 15 de Fev.) se baseiam numa concepção do professor que parece, nos tempos em que vivemos, condenar este mesmo professor à sua própria morte. Isto é, temos de nos perguntar em que é que assenta a autoridade do professor numa sociedade onde a transmissão de informação e de ideias se realiza de uma forma muito mais eficaz através dos meios de comunicação do que através de um professor-expositor, estruturado pelo lnagister dixit.
Efectivamente, se o poder do professor vem da legitimidade que o Estado fornece à sua actuação e do prestígio que ele na comunidade constrói e esta lhe confere, a sua autoridade dimana, além disso, do modo como ele articula esse poder e a sua especialização académica no contexto da sala-de-aula e nos diferentes espaços e tempos da escola onde exerce a sua profissão. A sua autoridade, portanto, dimana deste plano que é, em última análise, pedagógico, no sentido restrito e amplo do termo.
Não há dúvida de que a evolução recente da sociedade industrial obriga a uma nova avaliação da fonte de autoridade do professor. E curiosamente embarcamos nesta
nova avaliação sabendo que numa sociedade como a portuguesa a especificidade do trabalho pedagógico do professor ainda está por desenvolver, especialmente no que diz respeito aos ensinos secundário e superior onde a «competência científica expressa no grau académico» (conferida pela academia, como lembra F. Bonifácio no artigo acima citado) aparentemente basta para autorizar o que o professor faz na escola e na sala-de-aula. No fundo, os professores não são precisos, sendo antes necessários transmissores e avaliadores de conhecimentos eficazes.
Todavia, e contraditoriamente, no seu discurso identitário os professores parecem procurar muito mais a legitimação da sua autoridade na especialização académica que adquiriram do que no âmbito específico e actual da sua profissionalidade: a pedagogia. Pela despedagogização da profissão docente dão, portanto, os professores um passo definitivo para a sua própria desqualificação. Além de ser irónico este apelo ao professor durkheimiano de há quase um século atrás – especialmente num momento em que mais do que nunca o professor precisa de justificar o que transmite e a maneira como avalia o conhecimento -, constitui também uma nítida desqualificação do professor como pedagogo, do professor como especialista em Ciências da Educação, com os seus conhecimentos sobre o processo do ensino-aprendizagem, mas também das dimensões sociais da sua profissão e, de uma forma importante, de como evitar indoutrinação, promovendo uma educação orientada para a exploração reflexiva e recíproca dos princípios de verdade e de justiça.” *[Magalhães, Stoer, 1998, pp. 41-44]

Termina aqui a sequência de entradas que procurou avivar uma velha discussão que, afinal, ainda não perdeu actualidade.

Orgulhosamente filhos de Rousseau* (II)

[cont.]
A autoridade pedagógica. E. Durkheim, escrevendo no dobrar do século, concebia o professor como representante dos valores fundamentais da sociedade e como tal implicado na transmissão da cultura. O professor desfrutaria de uma autoridade moral e intelectual que lhe permitiria estimular: os seus alunos basicamente através do seu sentido de dever.
O professor, afirmava Durkheim, seria o agente social mais respeitado da sociedade. A sua autoridade dimanava da sua superioridade tanto em termos da sua experiência do mundo como da sua cultura.
W. Waller, alguns anos depois de Durkheim, - o seu famoso livro The Sociology of Teaching data de 1932 - falou dos professores como agentes remunerados da difusão cultural que «transportavam a luz aos mais recônditos cantos da Terra». Mas ele também reconheceu que na moderna sociedade industrializada a autoridade do professor repousa em última instância sobre um tipo de liderança «institucionalizado» que significa fundamentalmente que esta liderança é sancionada pela lei. Por outras palavras, o Estado confere o direito de mandar na sala-de-aula, de instruir, de avaliar. Contudo, mesmo esta autoridade institucionalizada foi considerada insuficiente por Waller - o professor necessitaria também de um conjunto de recursos pedagógicos de forma a ser eficiente e a consolidar a sua influência pessoal na escola e, sobretudo, na sala-de-aula.
Os sociólogos funcionalistas dos anos 50 e 60, ir representados por T. Parsons, concordam com Waller relativamente ao facto de que pelo desenvolvimento da sociedade industrial avançada o valor da autoridade moral do professor se debilitou e se tomou menos claro. Sustentam também que a superioridade cultural e de experiência do professor, num mundo de saber cada vez mais profano, é, cada vez mais questionável. Por isso o professor deve recorrer a estratégias pedagógicas para garantir a sua autoridade, (agora cada vez mais personalizada) sobre os seus alunos.
Por outro lado, defendem que a sociedade industrial avançada oferece ao professor uma nova base de autoridade: a escola toma-se uma importante agência para a distribuição de oportunidades de emprego numa situação em que o elo entre a ocupação e a educação parece ser cada vez mais forte. Todavia, esta nova autoridade não substitui facilmente a autoridade moral perdida pelo professor, dado que cria cepticismo tanto nos pais como nos alunos. Há, pois, nesta nova componente do papel do professor, uma preocupação prosaica com o conhecimento prático, com o know-how, isto é, parece ser mais importante a preparação técnica do que a educação propriamente dita.
T. Parsons sublinhou que o sucesso do professor na sala-de-aula dependia da sua capacidade de manipular e persuadir os seus alunos da sua capacidade como professor, dado que o papel do professor na sociedade moderna é menos definido (quer dizer, os valores sobre os quais se baseia são mais laicos, mais neutrais e menos precisos). Ao mesmo tempo, Parsons defendeu que o professor na sociedade industrial avançada só poderia manter a sua superioridade moral através de uma adequada compreensão das dimensões sociais da sua profissão, isto é, das determinantes sociais do processo educativo, das tensões sociais latentes nas escolas inerentes a qualquer situação de aprendizagem.
Nos anos mais recentes quem mais se tem debruçado sobre a especificidade da pedagogia e da evolução do papel do professor tem sido o sociólogo inglês B. Bernstein. Através da sua obra aprendemos que a autoridade do professor é sempre uma autoridade condicionada pelas clivagens existentes na sociedade. Na sociedade industrial a clivagem de classe social que mais determina o trabalho pedagógico do professor. Assim, Bernstein alerta: "embora pareça mentira, os professores deveriam preocupar-se mais quando as crianças realmente aprendem do que quando não aprendem. Porque as crianças que aprendem levam na sua consciência a dos que não aprendem e os procedimentos para reproduzir a situação» (Entrevista com B. Bernstein», Professor, 25, Fevereiro de 1980, pág. 23).”
*[Magalhães, Stoer, 1998, pp. 39-41] [cont.]

2 de setembro de 2006

Orgulhosamente filhos de Rousseau (I)*

"[...] A ministra da Educação defende assim uma acção reformadora que reforce as escolas em quatro planos: autonomia e capacidade de gestão na base de uma avaliação exigente do seu desempenho; qualificação, competência e exigência na selecção, recrutamento e avaliação dos professores; modernização das escolas e dos recursos educativos, no quadro de um novo ciclo de fundos comunitários; e abertura total das escolas, aprofundando a sua inserção na comunidade local."[O sublinhado é meu]
"A autoridade, o poder e a desqualificação dos professores

O contexto da sociedade portuguesa e a correlata discussão política sobre o seu desenvolvimento têm trazido a educação, de uma forma muito visível, para o centro de um debate que, sendo muito mais que pedagógico, tem repercussões no campo da pedagogia e da filosofia da educação. Contudo, esta visibilidade pública, a bem da própria discussão, não pode esgotar-se em dicotomias mais ou menos simplistas: filhos de Rousseau versus filhos de Locke, pedagogia não directiva versus pedagogia do esforço, etc.. O que se ganharia em facilidade perder-se-ia em subtileza e profundidade.
Assim, e pensando no campo da profissionalidade dos professores e respectiva identidade, não nos deixa de surgir como inquietante o facto de, por exemplo, no contexto da recente discussão sobre os projectos de lei sobre a disciplina e sobre a autonomia das escolas, a questão da autoridade e do poder não ter sido ligada àquela outra mais ampla - e de que estas são porventura apenas parte: a da qualificação dos professores ou a da sua desqualificação. Esta questão, efectivamente, parece-nos articular e articular-se com uma lógica sociológica, que é mais ampla do que a Escola, e com outra que se vem desenvolvendo no interior do próprio campo educativo. A primeira, tem a ver com o cada vez maior protagonismo da nova classe média portuguesa, e a segunda com a substituição, no âmbito da pedagogia, da formação pela performance. Estas lógicas encontram-se e desenvolvem articulações que as tomam, por assim dizer, tão evidentes que acabam por legitimar um senso comum que parece estar a unir, num único clamor, mass media, professores, intelectuais, etc., contra a escola e a pedagogia pós-rousseauiana.

A lógica sociológica. Pela primeira vez em Portugal à classe média é dada a possibilidade de elaborar e de remeter mandatos políticos para os diferentes subsistemas sociais.
No caso da educação, este mandato surge sob a forma uma nova meritocracia: o sistema educativo deverá seleccionar os melhores, os mais preparados e investir sobretudo no desempenho destes, nomeada e principalmente no ensino secundário. Todavia, e por outro lado, os professores, e a sociedade portuguesa em geral, ainda não interiorizaram a "escola para todos", falando muitos professores acerca de níveis de exigência, de atitudes e de comportamentos que, sendo os dos seus filhos e dos filhos dos outros professores, não são de modo nenhum os dos alunos que realmente têm.
A massificação do ensino é o contexto desta miopia pedagógica: pensar o processo de ensino-aprendizagem para alunos que não são aqueles com que efectivamente se defrontam nas salas de aula. Desse modo, no próprio seio dos professores, lança-se a primeira pedra da sua desqualificação: "assim não é possível ensinar", "o nível baixa", "não sei o que é que hei-de fazer...", "de ano para ano é cada vez pior...", etc. É neste senso comum que discursos como o de Filomena Mónica encontram eco, começando a desqualificação dos professores, pois, quando estes, nos seus discursos profissionais, desqualificam os seus alunos.” *[Magalhães, Stoer, 1998, pp. 37-39] [O sublinhado é meu]

[cont.]

1 de setembro de 2006

Apelo à lucidez…

"[...] A ministra da Educação defende assim uma acção reformadora que reforce as escolas em quatro planos: autonomia e capacidade de gestão na base de uma avaliação exigente do seu desempenho; qualificação, competência e exigência na selecção, recrutamento e avaliação dos professores; modernização das escolas e dos recursos educativos, no quadro de um novo ciclo de fundos comunitários; e abertura total das escolas, aprofundando a sua inserção na comunidade local."[O sublinhado é meu]
O conceito de autonomia encerra diversos significados. O significado que eu lhe atribuo reclama mais margem de manobra, mais capacidade de intervir nas decisões políticas pelas quais se exigirão mais responsabilidades. Ao afastar os professores do centro da decisão política quem, de boa-fé, lhes poderá exigirá mais responsabilidades?…
É claro que não posso deixar de pensar na proposta de alteração ao ECD…

Rousseau e a crise do modo de pensar a educação…

Cartografia do debate

Depois do livrinho do Nuno Crato ter colocado no top dos lugares comuns o termo “eduquês” que foi, salvo erro, proferido pela primeira vez pelo ex-ministro da educação Marçal Grilo, tem varrido a blogosfera uma onda de anti-eduqueses críticos do(s) pensamento(s) de Rousseau. Não importa discernir as motivações e os interesses que os movem nas suas batalhas, mas interessa aclarar o debate e reafirmar que os discursos são bafientos e que esta discussão é um refluxo de uma discussão iniciada por Filomena Mónica em 1997, prolongada depois no Público por José Manuel Fernandes. Essa discussão, que envolveu muitos articulistas consagrados, motivou a edição de dois pequenos livros, editados pela Profedições, do António Margalhães e do saudoso Stephen Stoer.
Como os discursos anti-eduqueses escolheram como alvo a abater Rousseau e as Ciências da Educação, nada melhor do que deixar aqui o contraditório, escrito por estes dois autores que se dizem “Orgulhosamente Filhos de Rousseau” [1998, profedições, esgotado].

Observem como esta pergunta continua actual:
"O que é que estará a acontecer na ordem social portuguesa para que, no que diz respeito à educação e ao sistema educativo, vozes mais ou menos autorizadas se levantem contra a influência de Rousseau? Na verdade, parece ter-se criado um consenso acerca da culpa e dos culpados dos problemas do nosso sistema educativo:
Rousseau e os seus sequazes.
As ideias que os apóstolos de Rousseau seguiriam e com que teriam envenenado todo o sistema e respectiva orientação política seriam: a) a assunção de que o centro do processo de ensino-aprendizagem são as crianças e os jovens e não o corpo do saber a ensinar; b) que o processo deve ser adequado às características afectivas e gnosiológicas destes; e c) que o ensino deve ser articulado e articular processos de aprendizagem, ser, em suma, ensino--aprendizagem.
Contudo, os protagonistas dos ataques aos filhos de Rousseau, não se ficam por aqui. J. M. Fernandes (JMF), na esteira de Filomena Mónica, avança que a nefasta influência do filho do relojoeiro de Genebra promove uma «desresponsabilização geral» que «é corolário lógico de uma "democracia de base" que toma cada estabelecimento de ensino numa espécie de comuna autogerida que não presta contas a ninguém» (Público, 22 de Dezembro).
Retoricamente irado, JMF diz que tudo isto está errado, porque «a democracia é o império da lei» (ibid.).
De facto, tudo é cozinhado numa retórica de "murro na mesa", de "basta", que impressionará os mais distraídos, mas que deve consistir em objecto de reflexão. É que a questão que é obnubilada é esta: as políticas educativas são construídas num espaço plural de forças, poderes e influências em que o contexto académico, do Estado e dos grupos de trabalho entretecem lógicas díspares e múltiplas, impossíveis de unificar num só vector teórico e político.
Por isso, a posição de "murro na mesa" é caceteirismo teórico, porque pouco subtil, pouco dada à captação das diferenças, dos matizes (veja-se a controvérsia gerada sobre o caso dos "currículos alternativos"). Na verdade, a autogestão comunal que as escolas praticariam, nas palavras de JMF, é uma flor retórica bem grosseira, pois qualquer aluno, qualquer professor, qualquer auxiliar da acção educativa, por mais distraídos, sabem que isso é um disparate.
Mas, e essa é a força da retórica e dos meios de comunicação social, pode ser transformado em verdade, em facto, em prova contra os filhos de Rousseau."
[pp. 31-32]