28 de fevereiro de 2005

Descubra as diferenças.


[Observe a imagem da entrada anterior.]

23 de fevereiro de 2005

A escola transfigurada.

Existe um consenso generalizado quanto à caracterização da escola actual [creio que este comentário do Paulo, colocado numa entrada mais em baixo, se encaixa neste empreendimento]: “Não se pode conceber uma escola que celebre a pseudo-diversidade em momentos "extra" ainda que na sala de aula e que escamoteie aquilo que é (infelizmente) visível fora dela: a nossa sociedade e o modo como ela está, as injustiças, as discriminações causadas também pela globalização […]. A escola cultural [creio que se refere à escola actual] faz de conta que isto não existe, que, ingenuamente, a escolaridade irá causar uma "normal" integração do aluno na sociedade. É elitista porque pensa as diferentes culturas numa base de um "aluno-médio". Concordo que a escola que temos é insatisfatória, em todos os seus níveis. Há que dar oportunidade a uma outra escola, à escola cultural, que é a escola reconhecida, ainda que de forma implícita, na própria Lei de Bases.
As críticas que se consubstanciam na inexequibilidade da escola cultural e que decorrem de experiências concretas que se afastaram do movimento da escola cultural podem ser refutadas com outros exemplos de sucesso [ver Hélder Pacheco. “Um património comum”, in O Professor, nº 124. Lisboa, Outubro de 1989, p.47]. Os testemunhos pessoais valem muito mas não valem tudo. Será preferível perceber como é que as condições básicas que foram requeridas para a implementação da reforma foram contrariadas pelo curso do tempo.
Recordo que no momento em que a escola cultural iniciou o seu “movimento” houve uma intenção de mobilizar o País para a Educação e creio que, nesse período, ninguém ficou indiferente aos problemas da educação. A segunda condição básica da reforma foi a necessidade de aumentar o esforço financeiro com a educação: Na verdade isso aconteceu, no entanto, a questão da qualidade do investimento foi negligenciada. A terceira condição da reforma foi a necessidade de adoptar uma lógica reformadora pedagógica. O que aconteceu foi a adopção de uma lógica reformadora burocrática. A quarta condição básica da reforma foi a necessidade de se optar por uma de duas lógicas políticas: a do imediato e a de longo prazo. A lógica da educação é a de longo prazo. O que ocorreu foi o sacrificar o longo prazo [desenvolvimento e modernização do País, a elevação significativa do nível cultural e educativo da população, etc., etc.,] aos interesses imediatos [políticos, sindicais, das autarquias, das empresas, etc., etc.,]. Sacrificar o mediato com o imediato inviabilizou a tentativa de reforma. A quinta condição básica da reforma não foi satisfeita: não se optou como devia por uma reforma humanista. Prevaleceu a reforma tecnocrática.

Diante este quadro, como é possível assacar à escola cultural o ónus da culpa pela inaptidão da escola em responder aos desafios colocados pela globalização?

Projecto Piloto de Educação Sexual.

Espero que este projecto faça escola nas escolas.
Entre na página: http://www.dct.uminho.pt:16080/jsea/web-contrntpor/index.html

22 de fevereiro de 2005

O outro lado da escola.

A directora de turma anima um projecto de educação sexual numa parceria estabelecida com a Universidade do Minho. Ela faz parte de uma equipa cujos elementos aderiram à iniciativa mediada pela coordenadora do projecto de educação para a saúde.
Quis saber como estavam a decorrer as actividades e, simultaneamente, tomar o pulso ao entusiasmo da colega. Ouvi lamentos e desabafos, vi entusiasmo e paixão, lembrei-me das palavras do prof. Varela de Freitas: “O que as escolas precisam é de professores que sejam profissionais e tenham consciência da sua autonomia. Professores que não se sintam funcionários. Pouco importa que, depreciativamente, os apelidem de “carolas”: o entusiasmo quando se trabalha envolve sempre alguma carolice […]”
Porque é que estas iniciativas não encontram eco nas comunidades educativas? Porque é que estas experiências esbarram nas montanhas artificiais colocadas no seu caminho pela mesquinhez e imobilismo da praga de acólitos e órgãos de gestão inertes?
Não será necessário procurar razões fora do território escolar!

20 de fevereiro de 2005

A Escola Cultural no Projecto Educativo.

O recente contrato de autonomia celebrado entre a Escola da Ponte e o ME introduziu actualidade à questão – projecto educativo [um]a face da autonomia. Ao longo do último ano, alguns dos bloggers [os colegas Manuel, Miguel, Adkalendas, Carlos, Ademar e Gustavo (?)] que tratam nos seus blogues a educação do básico e secundário já se dedicaram a analisar o assunto, com mais ou menos profundidade. Ainda recentemente, o professor Varela de Freitas do blogue A memória flutuante prometeu lançar um novo olhar depois de aflorar, levemente, o tema no texto “Uma escola de sucesso”.

Aproveito para regressar ao assunto no primeiro dia de um novo ciclo para a escola portuguesa. Não me atrevo a pensar [hoje] que será mais do mesmo. Não quero acreditar que as lições do passado caíram em saco roto. Quero pensar [porque também acredito no Pai Natal, Manuel] que as escolas e os seus actores desejam agarrar o leme do seu futuro [e garanto que esta frase não foi retirada da boca de um demagogo].

A realidade educacional portuguesa não se afasta da tendência de alguns países que adoptaram a metodologia de projectos como um dos vectores essenciais na concepção, planificação e realização de diversas actividades em distintos níveis de funcionamento. A noção de projecto na vida das organizações traduz uma vontade de identificar o sentido da acção colectiva em função das expectativas futuras.
Atendendo à elevada difusão de projectos nas organizações somos forçados a questionar se estamos perante uma moda, se a elaboração dos projectos se deve a imposições legais [projecto decretado], ou se o projecto não constituirá um processo e um instrumento necessário a uma maior qualificação do funcionamento e do desenvolvimento organizacional.
Os inúmeros projectos pedagógicos (dos mais sectoriais, temáticos, adstritos a uma disciplina ou turma, muitas vezes situados numa determinada sala de aula, aos mais interdisciplinares e que cruzam determinadas valências e intervenientes da escola) são um bom exemplo de como o conceito de projecto presente nos discursos dos responsáveis pela Administração foi adoptado nas escolas.“(…) A existência de desarticulação, de conflitualidade, de situações anárquicas e artificiais, a instabilidade e a imprevisibilidade que grassam no seio das organizações, devem ser motivo para se procurar novas formas de organização que minimizem aqueles efeitos.” (Costa, 2003: p.1326)
Se os diversos projectos de escola manifestam um elevado dinamismo pedagógico nas escolas, a construção dos projectos educativos levam-nos a equacionar uma concepção dos estabelecimentos de educação e ensino em que a coerência organizacional e o sentido estratégico constituam referências básicas a uma escola mais autónoma, participada e localmente integrada (Ibid.: p.1321).
Em Portugal não existe uma política deliberada de incentivo à elaboração do projecto de escola, apesar de ele aparecer referido com a designação de projecto educativo no decreto-lei nº 43/89 (autonomia dos estabelecimentos de ensino), no decreto-lei nº 172/91 (reforma de administração e gestão de escola)” (Barroso, 1992: 43) e no decreto-lei nº 115-A/98 (regime jurídico de gestão e administração escolar).
Os planos de actividade, projectos individuais ou de grupos de professores, mais específicos ou gerais, mais ou menos implícitos, raramente conseguem vencer a própria compartimentação do funcionamento tradicional da escola. Estes projectos, promovidos por minorias de activas, como João Barroso (1992) as designa, não são, muitas vezes, formalizados, nem se integram num processo muito estruturado. Por força dos vários conflitos com a Administração e das resistências geradas por outros elementos da escola, estes projectos desaparecem pelo desgaste e pelos efeitos de conjunturas desfavoráveis. A ausência de instrumentos eficazes de planificação é uma das razões, segundo o autor, para o insucesso, desperdício de energias e de frustrações.
O movimento da escola cultural é um ícone do desajustamento entre o delineado e o concretizado. Não obstante os apelos da Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE) , a Escola Cultural não foi introduzida por uma lógica mutacional dialéctica simultaneamente ascendente e descendente, inequivocamente centrada no trabalho educativo concreto, ou seja, no trabalho educativo que se realiza na escola (Patrício, 1996: p.42).
Se “ter um projecto de escola é ter um alvo estratégico, uma ambição, uma visão de futuro, assente em princípios, valores e políticas que se aplicam na acção educativa e pedagógica com os alunos” (Barroso, 1992: p.38), teremos razões objectivas que nos afastem do paradigma pedagógico que foi proposto pela CRSE a que se deu o nome de Escola Cultural? Dito de outro modo, tendo em conta os erros do passado e atendendo aos inúmeros constrangimentos normativos, será inexequível um projecto de gestão que assente as suas bases no paradigma pedagógico da Escola Cultural?

[Extracto de um texto submetido a publicação num jornal temático.]

18 de fevereiro de 2005

:o)

Um abraço aos meus companheiros de viagem, da escola e fora dela, dos encontros e desencontros, dos parceiros que só agora descobriram o prazer da companhia de uns e outros, dos colegas que sem enxergarem o seu real contributo alargam os meus horizontes.

Obrigado por estares aqui.

Pescadinha de rabo na boca

Vejam como existe reciprocidade nas preocupações:
O ensino superior exige alunos cada vez mais competentes, mais habilitados para as exigências de Bolonha. O básico e secundário exige [ex-alunos do superior] professores mais competentes, mais habilitados para as exigências de uma escola permanentemente desactualizada e incapaz de acompanhar as mutações societais.

17 de fevereiro de 2005

Conversa de surdos?

Ao ler a entrada do Professorices “Universidades de ensino?” deixei-me transportar para uma questão que já foi aflorada por aqui com resultados banais: em que direcção apontam as relações entre o ensino superior e os níveis de ensino precedentes? O que é que o ensino básico e secundário tem a dizer ao ensino superior? O que é que o ensino superior tem a dizer ao ensino básico e secundário?
Não sei se a conversa é possível. Sei que a história atesta uma relação difícil, irascível, monocórdica.
O barómetro da blogoEsfera não engana!

40

Há uma pequena diferença entre o blogger de ontem e de hoje: um dia que representa um ano e uma década.
O que eu espero da próxima década?
Coisas simples: liberdade, saúde, paz e algum discernimento [a ordem não é irrelevante...].

[O desafio aos colegas do superior está na agenda.]

15 de fevereiro de 2005

Catarse.

- "Desculpa lá este meu desabafo. Não é fácil falar destas coisas na sala de professores."

Foi desta forma que terminou a conversa com uma colega durante uma pausa lectiva. Não sendo nova [inexperiente] na escola, a professora já viveu o suficiente para reconhecer os palcos e os intervenientes das lutas pelo poder, para sentir os problemas “reais” que nem sempre são declarados nos projectos educativos, para se aperceber dos efeitos do isolamento que tomou de assalto a sala de professores.
A conversa entrou pelas salas de aula, percorreu o espaço e o tempo escolar à procura dos constrangimentos e possibilidades de actuação, ultrapassou os muros da escola e parou na singularidade dos contextos familiares, prosseguiu o seu caminho até ao covil do sistema educativo [Ministério da Educação] regressando à escola [a cisão da escola ao Ministério da Educação serve para reforçar a lógica centralista do sistema] para enquadrar os actores principais do acto educativo. A conversa foi fluindo à procura de respostas para os problemas do quotidiano. Eis que encalhamos no problema da[s] liderança[s].

Será assim tão difícil criar comunidades de colegas que actuem em colaboração[como sugere Hargreaves], estabelecendo os seus próprios limites de exigência profissional e permanecendo ao mesmo tempo empenhadas num aperfeiçoamento contínuo?

Qual o papel do líder, do presidente do conselho executivo ou da equipa executiva na catarse dos afectos? Isto é, qual é o papel que podem desempenhar os líderes na aproximação da vida profissional e pessoal dos professores, de modo a apoiar o seu crescimento e permitir que os seus problemas sejam discutidos, sem receio de reprovação ou de punição?

14 de fevereiro de 2005

Regresso...

Indisciplina e violência, outra vez

Recupero um texto do professor Manuel Matos retirado do Jornal a Página da Educação [ano 10, nº 100, Março 2001, p. 22]. É outro olhar sobre uma temática que mobilizou um conjunto de bloggers nos últimos dias.

Poucos temas merecem, hoje, tanta atenção da opinião pública como o da indisciplina e violência na Escola. São disso exemplo o largo destaque que a imprensa falada e escrita lhe confere, as medidas administrativas e pedagógicas que são tomadas pelo Ministério da Educação e pelas escolas, a frequência com que ocorrem os chamados conselhos disciplinares, a policialização da escola, os protocolos especiais de segurança celebrados entre os Ministérios da Educação e da Administração Interna, o reforço das estruturas físicas de protecção em torno da escola e, noutro plano, a organização de encontros, seminários, conferencias, acções de formação e iniciativas congéneres que se vão realizando, um pouco por todo o lado, tendo o tema como referência.
Esta aguda sensibilidade às questões da violência e da indisciplina na escola de que dá mostras a opinião pública e que tende a exprimir-se na hiperbolização da segurança e na diabolização da tolerância, constitui um fenómeno social que é, em si mesmo, indissociável da própria emergência da violência e da indisciplina. De facto, contrariamente ao que se possa pensar, essa sensibilidade às questões da violência e indisciplina facilmente passa da condição de efeito reactivo às situações e casos concretos de indisciplina e violência para passar a fazer parte do próprio processo gerador e amplificador dessas situações.
É nestes termos que a questão da indisciplina e da violência na escola não pode ser analisada à luz de uma leitura que a interprete como a expressão de comportamentos individuais desviantes ou de desenvolvimento de tendências anti-sociais inscritas no "material genético" dos indivíduos, como ultimamente certas correntes têm vindo a insinuar, se não mesmo a afirmar, mas como um fenómeno social complexo onde os "bons" e os "maus" fazem intercondicionar os seus comportamentos, não segundo uma relação de causalidade linear, mas segundo uma causalidade complexa cujo desenvolvimento, nas suas relações micro-sistémicas, é, frequentemente, imprevisível. Os "bons" que, por norma, se definem pelo alinhamento com a opinião pública dominante, ao mesmo tempo que também a vão definindo e produzindo, não são assim figuras alheias à produção do próprio fenómeno, como se funcionassem perante ele segundo o estatuto de testemunhas ou observadores.
Em questões tais como as que estão aqui em análise, não se é mero observador, seja porque é da natureza dessas questões instaurar uma relação necessária de conflito e/ou desafio, seja porque, face a elas, ninguém está de fora duma certa cultura, duma determinada forma de vida, dum dado estatuto (de pai, de professor, de autoridade académica ou administrativa). Isso significa que nas questões da indisciplina e da violência (na escola, como fora dela) não se está a observar comportamentos como se fossem factos em si, mas a formular, simultaneamente, juízos de valor de maior ou menor auto-implicação conforme o grau de exposição percebida a esses comportamentos, isto é, conforme o grau de risco que esses comportamentos representam.
É por efeito destes juízos de valor que os próprios factos ou comportamentos "observados' se convertem em "outros" factos, eventualmente diferentes, formal e moralmente, dos que foram praticados pelos seus autores. E são estes "outros factos", diferentes daqueles que supostamente pensamos referir, quando falamos em indisciplina e violência, que constituem um verdadeiro problema social pelos reflexos que assumem na nossa vida quotidiana.
Esta é assim uma questão que vale a pena reflectir.
Por isso, continuaremos.”

11 de fevereiro de 2005

Agendar a educação.

A fé na educação alimenta-se na crença de que esta pode melhorar a qualidade de vida, a compreensão entre os seres humanos, a orientação da agressividade, o desenvolvimento económico e o domínio da natureza através do progresso científico. Há um conjunto de representações sociais acerca do valor da educação assente numa pluralidade de manifestações: para uns a educação é um valor para tornar a sua vida mais digna, outros vêem-na como uma oportunidade de ascensão social, outros consideram-na um instrumento para manter os seus privilégios, etc., etc., etc.
As expectativas e os significados da educação não geram consensos nas sociedades plurais e democráticas. Sendo diversificadas as expectativas acerca da educação, das escolas e professores, a educação tornou-se num palco de lutas políticas, religiosas e culturais.
Tendo em conta as esperanças que as sociedades colocam na educação é de esperar que a frustração e o desencanto acompanhe as promessas por cumprir. E são muitas as promessas insatisfeitas. Mais, existirão sempre promessas insatisfeitas. A violência, discriminação, ausência de afectos, sobrevalorização do ter, são alguns dos problemas que as escolas podem combater, sabendo-se desde logo que não os podem resolver solitariamente. Não considero proveitoso que o alvo das preocupações dos agentes educativos se centre na procura do ónus da culpa dos problemas que a escola adoptou. Mais do que culpabilizar as Ciências da Educação, os professores ou a escola pelas dificuldades que ela nunca irá dissipar, devemos questionar as regras do jogo político que subalternizaram a agenda educativa à agenda política, distraindo os actores educativos, entretendo-os com questões secundárias. Daí que o debate sobre “Que saber tem mais valor?” tenha adquirido conotações políticas e o argumento ideológico dominante tenha restaurado as questões da disciplina, do “excesso” de liberdade dos alunos, dos “saberes” legítimos, isto é, os saberes que servem a economia competitiva.

Tirem-me deste filme!

8 de fevereiro de 2005

A indisciplina é neutra.

Este colega, entusiasta do glorioso, propõe a análise do tema da indisciplina na escola.
O Manuel responde ao desafio agarrando nas suas ferramentas de trabalho [e, ao abrigo do estado da arte,] enquadra o problema da indisciplina sob um olhar social evidenciando alguns dos factores que, a montante da escola ou intra-muros, induzem o fenómeno.
Não farei caminho no trilho do meu companheiro de viagem embora me sinta confortável por aí.
Há um atalho para explorar:
A indisciplina como uma manifestação de desobediência poderá ser positiva?

Voltarei ao assunto.

Contra-a-corrente.

O Carnaval terá razão de ser? Quando a fantasia se confunde com a realidade, num tempo em que a fantasia é a realidade, haverá motivos para festejar o Carnaval? Na perspectiva do folião não há que perder tempo com as razões porque o fenómeno utiliza outras referências, porventura, de uma grandeza diferente. Mas é o olhar da sociologia que me interessa destacar? Como é que ela enquadra o sentido mais profundo da festança? Até que ponto é que a lógica terapêutica carnavalesca cicatriza as feridas sociais mais problemáticas?

6 de fevereiro de 2005

"outcomes" e avaliação.

Nos últimos meses tenho participado numa série de fóruns da educação sem contar com as discussões mais ou menos acaloradas da blogoEsfera. Motivado por uma pós-graduação em Administração Escolar, animado pelo [forçado] acompanhamento da reorganização curricular [na qualidade de director de um curso tecnológico], não me têm faltado oportunidades para tomar o pulso às inovações e aos problemas que afligem o sector.
Tendo em conta as experiências decorrentes dos referidos encontros percebi, sem surpresa, que a escola não tem reagido ao processo Bolonha. Dito de outra forma, para a escola o processo de Bolonha não existe. Creio que este processo tem sido acompanhado à distância pelos professores do básico e secundário porque não vislumbram efeitos imediatos sobre estes níveis de ensino. Encontro uma explicação para esta atitude defensiva dos professores: A meu ver, a intensificação e a burocratização do trabalho docente têm empobrecido a dinâmica de discussão na escola reduzindo o professor à categoria de operário da obra educativa [Manuel Ferreira Patrício considera que a educação necessita, cada vez mais, de engenheiros que pensem o edifício educativo]. Por outro lado, a reflexão sobre os problemas que afectam directamente o ensino não encontra espaço ou oportunidade na escola actual, preocupada, isso sim, com os problemas circunstanciais. Não generalizando a partir da minha experiência pessoal, o que eu digo é que bastará analisar a forma como acrescem as tarefas burocráticas no tempo do professor para percebermos que o sistema educativo não deseja um professor autor.

Dito isto, o assunto dos “outcomes” [este termo já o vi referenciado em dois blogues, no Que Universidade e no Professorices, e creio que se refere aos resultados de aprendizagem de cada disciplina ou curso] no Básico e Secundário não tem sido assunto. Eu explico. Como foi referido num dos comentários anteriores, o trabalho de análise que ultrapassa as fronteiras da sala de aula e do grupo/departamento disciplinar não compensa, não é desejado, é evitado. Porquê? Porque um professor operário não tem de pensar a educação, tem de transmitir conhecimentos, executar os programas. Está mais habituado a observar os resultados do ensino do que a procurar as dificuldades de aprendizagem. Bom, mas não sendo um trabalho para o professor, alguém, dentro da escola, terá prestar contas pela qualidade das aprendizagens. O órgão de gestão [por exemplo] e, em alguns casos, as equipas de trabalho nomeadas por si ou cooptadas no conselho pedagógico [constituídas por uns quantos professores, estes sim, “pensantes”] terão de procurar os factores que obstruem as aprendizagens, sabendo desde logo que uma boa parte deles se encontram fora da escola. Chegamos ao modelo de gestão, ao projecto de gestão escolar. Como uma pescadinha de rabo na boca, da gestão escolar chegamos à gestão das aprendizagens e encontramo-nos numa sala de aula ou numa sala de recursos. Há que motivar os professores fazendo-os participar na construção de um projecto educativo, para depois envolver os alunos na construção do seu conhecimento.
Parecendo óbvio, não tem sido exequível.

Uma nota relativa ao comentário de PJ.
Concordo com a ideia de que a avaliação terá de fazer parte de um projecto educativo e de gestão. Os projectos de escola devem ser traduzidos em plano operacionais que concretizam objectivos e estratégias do projecto. Estes planos seguem uma estrutura normal de planificação: definem objectivos, programam actividades, identificam e afectam os meios, executam as actividades e controlam os resultados [em alguns casos admito a necessidade de uma auditoria externa].
Parecendo óbvio, não tem sido exequível.

4 de fevereiro de 2005

Bolonha no básico e secundário.

Deixo à vossa consideração duas questões retiradas da caixa de comentários de MJMatos:
1.Como é visto o assunto dos “outcomes” no Básico e Secundário?
2.Conhecem alguma escola pública que tenha definido à partida, com base num diagnóstico previamente elaborado, metas institucionais que se propõe alcançar? Penso em coisas muito concretas e facilmente mensuráveis como, por exemplo, número de aulas ministradas, número de faltas dadas por alunos, percentagens de aprovação, número de processos e participações disciplinares, percentagem de alunos envolvidos em práticas extra-curriculares, número de pais que contactam com os directores de turma dos seus educandos,etc. Poderão argumentar que este tipo de análise será excessivamente quantitativa, o que não nego. Julgo, no entanto, que uma avaliação desta natureza tem que obrigatoriamente fazer parte de um projecto de melhoria do funcionamento das nossas escolas.

Reservarei o meu comentário para mais tarde.

PS: Agradeço a chamada de atenção [oportuna] de MJMatos. Lamentavelmente omiti a autoria dos dois comentários e reponho, em devido tempo, a verdade dos factos. O 1º comentário é de MJMatos e o 2º comentário é de PJ.

2 de fevereiro de 2005

Acólitos.

[Porque escrevemos textos que, infelizmente, não perdem actualidade.]

Entramos no domínio mais perverso da escola. Aquele em que se refugia o corporativismo bacoco. Não creio que as instituições que cultivam o individualismo e a balcanização do ensino estejam, à priori, imunes a esta praga que designamos de acólitos. Serão, talvez, mais susceptíveis de promover este contra-senso do ensino. O enquadramento deste fenómeno terá de ser feito a partir de um quadro onde se inverte a lógica do serviço que a escola presta aos alunos e à comunidade. É esta a justificação deste texto.
Ora, são precisamente os acólitos que procuram desenfreadamente assegurar a manutenção do poder nas escolas. Minoritários em número, acabam por desempenhar um conjunto de funções que algumas direcções executivas não prescindem.
Há várias versões de acólitos mas a ideologia é a mesma. Camuflar os “rabos-de-palha” suscitados por erros de gestão, jurar vassalagem e, como moeda de troca, cobiçar os “jeitos” sistemáticos e as benesses eternas. É a cultura da cunha. Para que não restem dúvidas, os acólitos não desejam equidade, prescindem da liberdade intelectual e receiam a perda de confiança do poder que ajudaram a conquistar. Alguns desaparecem quando são desmascarados. Não acreditando na cultura de colaboração, desconfiam da inovação. Através de um pacto de regime, silencioso ou declarado, o clube dos acólitos congrega vários tipos de docentes e não docentes. São fundamentais na gestão dos conflitos internos nas escolas. Amortecem as críticas firmadas, impulsionam a intriga para tomar o pulso da contestação e impedem a inovação. Rejeitam a mudança, sobretudo, a que suscitar a modificação do “modus vivendi” instalado.
Há vários tipos de acólitos e agregam-se numa espécie de oligarquia.
  • Os irritados criticam as pequenas falhas de organização, são intolerantes com os alunos e colegas, principalmente, com os mais novos. Crêem na sua coragem consubstanciada numa critica ligeira, disfarçada, que ninguém leva a sério.
  • Os trabalhadores andam sempre atarefados, azedos e nunca erram. Isto é, raramente assumem o erro, o engano, o descuido, a falha. São os super-professores.
  • Os calados não têm opinião, apresentam-se descomprometidos com a escola. São insuspeitos, são os desejados porque não “complicam”. São os ouvidos que as paredes escondem.
  • Os estrategas preocupam-se com o clima da escola, com as pessoas, com a conjuntura. Se pressentem sinais de um eventual contra-poder tornam-se visíveis, actuam concertadamente e com muita facilidade mobilizam um batalhão de fiéis seguidores. São implacáveis na retaliação.
  • Os anónimos diferem dos calados porque não têm a capacidade de discernir o seu grau de influência.

Raramente os acólitos aparecem no seu estado puro. São híbridos e multifacetados. São pessoas. E como todas as pessoas procuram a sua transcendência. O problema é que o sentido que quiseram dar à vida perdeu-se no sentido que deram às coisas.
Receio que este texto possa reflectir uma visão pessimista do ensino. Que se façam generalizações abusivas. Que não se atenda à amplitude dos conceitos. Mas, é um risco que vale a pena correr porque se trata de fazer regressar os valores à Escola num tempo em que o quadro axiológico da sociedade carece de estabilidade.

[14/01/2004]


1 de fevereiro de 2005

Discursos…

“[…] E as escolas verão reforçadas as suas capacidades próprias de organização e gestão, num quadro de maior responsabilização e avaliação de processos e resultados. A administração regional desconcentrada apoiará, de forma próxima e integrada, as escolas.” [Bases Programáticas do PS- Legislativas 2005]

Nos últimos anos, o sector educativo tem sido marcado por uma clara separação entre os discursos e as práticas, entre o formal e o real.
A promessa eleitoral supracitada reflecte o tipo de discurso bondoso, politicamente correcto. A Administração está na disposição de conceder às escolas um espaço onde elas construirão as suas autonomias. [Talvez o Manuel queira acrescentar outroolhar]
Parafraseando João Barroso, a autonomia é um conceito relacional pelo que a sua acção se exerce num sistema de relações. Não basta decretar a autonomia porque a autonomia das escolas é algo que se vai construindo na inter-relação. Mesmo que o centralismo do sistema definhasse, o que eu não acredito, isso não significaria que a partir desse momento as escolas teriam caminho livre de obstáculos para a edificação da sua identidade. Mesmo que o centralismo definhasse, os actores educativos teriam ainda um longo caminho a percorrer: a negociação dos seus comportamentos e a articulação de processos tendo em vista os objectivos colectivos próprios.
Mas, haverá algo mais para além do discurso?